A PEDAGOGIA LIBERTÁRIA E OS MAÇONS

A Educação Anarquista ou Pedagogia Libertária inscreve-se no contexto das teorias modernas da educação. Neste sentido, possui uma fundamentação filosófica e política que lhe é própria, embora esta fundamentação esteja relacionada com outras teorias e práticas pedagógicas que lhe são contemporâneas. É necessário, portanto, saber distingui-la de outras teorias educacionais.

Segundo Gallo (2013), o fundamento da educação libertária é o conceito de educação integral que, de acordo com Paul Robin (1), é o resultado de um longo processo de evolução, em que diversos educadores, ao longo do tempo, foram levantando idéias e tecendo considerações que, em pleno século dezenove, já amadurecidas, puderam ser sistematizadas numa teoria orgânica:

A idéia de educação integral só há pouco tempo alcançou sua completa maturidade. Rabelais (2), penso eu, é o primeiro autor a dizer algo sobre ela; com efeito, lemos em suas obras que Ponocrates ensinava a seu aluno as ciências naturais, a matemática, fazia-o praticar todos os exercícios corporais e aproveitava os dias de tempo chuvoso ‘para fazê-lo visitar as oficinas e se pôr a trabalhar’. Porém, essa concepção requer um desenvolvimento e que seja aplicada a todos os homens. A este respeito resta ainda muito a dizer, inclusive mais tarde o Emílio, em que o autor consagra todas as faculdades de um homem para educar a um só, num meio preparado artificialmente para este objetivo.

Paul Robin

O conceito de homem que sustenta tal teoria fica muito claro para Robin:

A idéia moderna – de educação integral – nasceu do sentimento profundo de igualdade e do direito que cada homem tem, quaisquer que sejam as circunstâncias de seu nascimento, de desenvolver, da forma mais completa possível, todas as faculdades físicas e intelectuais. Estas últimas palavras definem a Educação Integral.

A concepção de homem que subjaz à teoria da educação integral é decorrente do humanismo iluminista do século dezenove, percebendo-o como um “ser total”; o homem é concebido como resultado de uma multiplicidade de facetas que se articulam harmoniosamente e, por isso, a educação deve estar preocupada com todas estas facetas: a intelectual, a física, a moral etc. (Gallo, 2013).

Existem três grupos de entendimento da educação na sociedade: educação como redenção, educação como reprodução e educação como transformação. A pedagogia libertária, assim como as demais pedagogias progressistas, segue a tendência filosófico-política da educação como transformação da sociedade. A pedagogia libertária espera que a escola exerça uma transformação na personalidade dos alunos, num sentido libertário e autogestionário (a escola institui, com base na participação dos grupos, mecanismos instituicionais de mudança, através de assembléias, conselhos, eleições, reuniões e associações.

Pedagogia Libertária e as Matérias Escolares
As matérias são colocadas à disposição do aluno, mas não são exigidas. São um instrumento a mais, porque o que realmente é importante para a pedagogia libertária é o conhecimento que resulta das experiências vividas pelo grupo. O método de ensino, portanto, dá-se na vivência grupal, é na forma de autogestão que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias de sua própria aprendizagem, sem qualquer forma de poder. Trata-se de colocar nas mãos do aluno tudo que for possível. Os alunos têm liberdade de trabalhar ou não, ficando o interesse pedagógico na dependência de suas necessidades ou das do grupo.

Pedagogia Libertária e o Papel do Professor e do Grupo
A pedagogia libertária considera desde o início a ineficácia e a nocividade de todos os métodos à base de obrigações e ameaças. Nesse sentido, o professor deve se por a serviço do aluno sem impor suas concepções e idéias, sem fazer do aluno um “objeto”, ele deve se misturar ao grupo para uma reflexão em comum. Toda essa liberdade de decisão tem um sentido bem claro. Se um aluno resolve não participar, o faz porque não se sente integrado, mas o grupo tem responsabilidade sobre esse fato e tem que colocar a questão em discussão.

Pedagogia Libertária e a Avaliação
O critério de relevância do saber é seu possível uso prático. Por isso mesmo não faz sentido qualquer tentativa de avaliação da aprendizagem, ao menos não em termos de conteúdo.

Pedagogia Libertária e o Anarquismo
A pedagogia libertária abrange quase todas as tendência anti-autoritárias em educação, dentre elas a anarquista, a psicanalista, a dos sociólogos e também a dos professores progressistas.

Escolas Célebres

  • “Paideia” Escola Livre

  • Orfanato Cempuis (1880 – 1894), de Paul Robin

  • O movimento das Escolas Modernas (1901 – 1953), iniciado por Francesc Ferrer y Guàrdia

  • A Colméia (1904 – 1917), de Sébastien Faure

  • Summerhill (1921 – atual), de A.S. Neill

Os Maçons e a Pedagogia Libertária
Francisco ou Francesc Ferrer i Guàrdia – O Maçom Ferrer i Guàrdia aponta a necessidade de a educação estar atenta a todas elas:

Ademais, não se educa integralmente ao homem disciplinando sua inteligência, fazendo caso omisso do coração e relegando a vontade. O homem, na unidade de seu funcionalismo cerebral, é um complexo; tem várias facetas fundamentais, é uma energia que vê, afeto que rechaça ou adere ao concebido e vontade que faz ato o percebido e amado.

Francisco Ferrer Guardia (10 de janeiro de 1859 – 13 de outubro de 1909), foi um pensador anarquista catalão, criador da Escola Moderna (1901), um projeto prático de pedagogia libertária. Ele nasceu em Allela (uma pequena cidade perto de Barcelona) em 10 de janeiro de 1859, filho de pais católicos, cedo se tornou anticlerical e juntou-se à loja maçônica Verdad, de Barcelona. Apoiou o pronunciamento militar de 1886, que pretendia proclamar a República, mas diante do fracasso deste, Ferrer teve de exilar-se em Paris. Sobreviveu ensinando espanhol até 1901, e durante este período criou os conceitos educativos que aplicaria em sua Escola Moderna. A Escola Moderna transformou-se em um movimento de caráter internacional de apoio dos trabalhadores a educação anti-Estatal e anti-Capitalista.

A Escola Moderna
Segundo a Profa. Dra. Maria Aparecida Macedo Pascal “Ferrer desenvolveu o método racional, enfatizando as ciências naturais com certa influência positivista, privilegiando a educação integral. Propõe uma metodologia baseada na cooperação e respeito mútuo. Sua escola deveria ser freqüentada por crianças de ambos os sexos para desfrutarem de uma relação de igualdade desde cedo. A concepção burguesa de castigos, repressão, submissão e obediência, deveria ser substituída pela teoria libertária, de formação do novo homem e da nova mulher. Ferrer considerava que o cientificismo não era um saber neutro. Aqueles que tem o poder se esforçam por legitimá-lo através de teses científicas”.

Devido a intolerância da igreja, em 1906, Ferrer foi preso sob suspeita de envolvimento no ataque de Mateo Morral, ex-colaborador de curta passagem, como tradutor e bibliotecário da Escola, que perpetrou um atentado frustrado contra o Rei Alfonso XIII, sendo absolvido um ano depois. Entretanto, durante sua estadia na prisão a Escola Moderna foi fechada. No ano seguinte, viajou pela França e Bélgica; neste último país, fundou a Liga Internacional para a Educação Racional da Infância. Em 13 de outubro de 1909 foi executado na prisão de Montjuich durante a lei marcial, acusado de ter sido o instigador da revolta conhecida como a Semana Trágica de Barcelona em 1909.

Mikhail Aleksandrovitch Bakunin
O Maçom Mikhail Aleksandrovitch Bakunin acreditava que a emancipação das massas operárias estava diretamente vinculada a uma educação diferente daquela estabelecida pelo modo de produção capitalista. A educação era considerada fundamental para a emancipação dos trabalhadores. Por isso defendeu a educação integral, de modo que os trabalhadores tivessem acesso ao conhecimento produzido pelo desenvolvimento científico. Destacava que os progressos feitos pela ciência sempre atenderam as classes privilegiadas e ao poder de Estado. A educação integral deveria ser um dos caminhos para conquistar a igualdade entre os homens, pois todos precisavam ter acesso ao conhecimento acumulado pela ciência. Havia um grande progresso científico no século XIX, mas os resultados deste progresso não eram socializados, pois apenas uma elite tinha acesso a esses conhecimentos. A ciência tornou-se um poder para o Estado. Essa lógica precisava ser mudada no interior das escolas e os progressos científicos deveriam ser acessíveis a todos. Era preciso romper com a educação desigual e a ciência deveria ser vista com um bem de todos (Martins, 2013).

Mikhail Aleksandrovitch Bakunin (em russo: Михаил Александрович Бакунин; Premukhimo, 30 de maio de 1814 — Berna, 1 de julho de 1876), também aportuguesado de Bakunine ou Bakúnine, foi um teórico político russo, um dos principais expoentes do anarquismo em meados do século XIX. Bakunin é lembrado como uma das maiores figuras da história do anarquismo e um oponente do Marxismo em seu caráter autoritário, especialmente das ideias de Marx de Ditadura do Proletariado. Ele segue sendo uma referência presente entre os anarquistas da contemporaneidade, entre estes, nomes como Noam Chomsky (3)

Sébastien Faure
O Maçom Sébastien Faure (Saint-Etienne, França, 6 de janeiro de 1858 – Royan, 14 de julho de 1942)1 foi notável ativista libertário e anticlericalista francês, pedagogo, jornalista, poeta e compositor durante o período que compreende a segunda metade do século XIX e início do século XX. Sébastien Faure nasceu em Saint-Etienne, na província francesa de Loire no dia 6 de janeiro de 1858. Nascido em uma família burguesa conservadora, seu pai Auguste Faure, um negociante de seda, católico praticante, burguês empenhado e partidário do império, enviou-o para um colégio jesuíta onde passou a ser educado. Destacando-se por sua inteligência e capacidade de expressão, aos dezessete anos Sebástien foi indicado pela direção do colégio para seguir o “caminho de Deus” entrando assim para o seminário na qualidade de noviço. Por um ano e cinco meses foi um noviço exemplar se aprofundando nos estudos de teologia e agarrando-se a fé cristã de forma cega e rigorosamente. Até que num dia Sébastien recebeu um telegrama dizendo que seu pai estava gravemente doente. Apressou-se para visitá-lo encontrando-o em seu leito de morte. Auguste disse-lhe que devia deixar a vida religiosa, voltando para sua família que agora precisava dele para auxiliar em seu sustento. Após a morte de seu Pai, Sébastien Faure voltou para a casa de sua família, abandonando a vida religiosa. Em pouco tempo teve contato com os círculos progressistas do movimento Livre Pensar, identificando-se inicialmente com esta filosofia. Mais tarde voltou-se para a política tornando-se membro do partido socialista operário vindo mesmo a se candidatar para deputado nas eleições de 1885. Finalmente em 1888 reconhece-se anarquista.

Em 1894 Faure torna-se tutor de Sidonie Vaillant após a execução de seu pai, Auguste Vaillant, pelo atentado a bomba que executara contra a câmara de deputados em 9 de Dezembro de 1893. Seis meses depois Faure acaba sendo julgado junto com muitos outros anarquistas no julgamento que ficou conhecido como “Processo dos Trinta” (“Procès des trente”). Com base nas “Leis Vilânicas” (“lois scélérates”) aprovadas entre 1893 e 1894 em detrimento do movimento anarquista e buscando restringir a liberdade de imprensa e expressão o Processo dos Trinta levou aos tribunais dezenas de militantes anarquistas – entre eles Charles Chatel, Ivan Aguéli, Félix Fénéon, Jean Grave, Louis Armand Matha, Maximilien Luce, Émile Pouget, Paul Reclus, Alexander Cohen, Constant Martin e Louis Duprat – acusando-os de participação em uma Internacional Negra, uma organização secreta criminosa de inspiração libertária que supostamente pretendia acabar com os governos e empresários do mundo. Enquanto parte dos acusados preferiu abandonar o país, Faure junto com Jean Grave, Charles Chatel, Louis Armand Matha e Félix Fénéon foram aos tribunais responder às acusações as quais lhes eram imputadas. Este seria um julgamento histórico em que o anarquismo, mais do que os réus foram colocados em uma posição de culpa. A imprensa foi proibida de reproduzir os interrogatórios de Jean Grave e Sébastien Faure, levando Henri Rochefort a escrever no jornal L’Intransigeant, que a associação criminosa não se referia aos acusados, mas aos magistrados e ministros que os acusavam. Os acusados presentes provaram facilmente sua inocência frente a acusação de “associação criminosa” já que a um bom tempo o movimento anarquista francês havia rejeitado a idéia solo de associação e ação exclusivamente individual. Apesar disso, o presidente da corte, Dayras, negou todas as objeções da defesa, levando Faure a dizer:

Cada vez que provamos o erro de uma das alegações de vossa parte, declaras isto sem importância. Você talvez possa muito bem somar todos os zeros, mas ainda assim não pode obter uma unidade.

Ao fim do julgamento Sébastien Faure e os outros presentes no tribunal foram declarados inocentes das acusações, ainda que através da perseguição gerada pelo processo dos trinta e pelas leis vilânicas, durante algum tempo nenhum periódico libertário ou qualquer outro tipo de propaganda dos ideais anarquistas pode circular pela França.

Escola Libertária designada “A Colmeia” (La Ruche)
Em 1904, Sébastien Faure aproxima-se da proposta de pedagogia libertária o criar nas proximidades Rambouillet (Yvelines) uma escola libertária designada “A Colmeia” (La Ruche). O objetivo da escola era desenvolver integralmente a capacidade de cada estudante. Através deste princípio Faure demonstra a influência das ideias de Mikhail Bakunin e Paul Robin,6 mas também na permanência do mutualismo de Proudhon.

O método de ensino que Faure desenvolve em A Colmeia se contrapõe a metodologia dedutiva tradicional na qual os conceitos são explicados para os alunos cuja tarefa é apenas assimilar. Sua pedagogia chamada por ele de indutiva e estimuladora do autodidatismo abre espaço para que os estudantes possam aprender por contra própria, assumindo um papel ativo na tarefa de aprender. “Quem procura, fez o esforço.” Além disso, na Colmeia não havia distinção de sexos nas salas de aula onde meninos e meninas estudavam em conjunto, algo inovador para a época.

Roberto Aguilar M. S. Silva
M.’. M.’. – A.’.R.’.L.’.S.’. Loja Maçônica Renascença IV, Santo Ângelo, RS (Brasil)

NOTAS:

  1. Paul Robin (1837-1912): professor francês, bakunista, um dos dirigentes da Aliança da Democracia Socialista, membro do Conselho Geral (1870-1871), delegado ao Congresso de Basieia (1869) e à Conferência de Londres (1871) da Internacional. Em 28 de Setembro de 1864 teve lugar uma grande reunião pública internacional de operários no St. Martin’s Hall de Londres; nela foi fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores (mais tarde conhecida como Primeira Internacional) e eleito um Comité provisório, que contava Karl Marx entre os seus membros.

  2. Françhois Rabelaiche Chinon, 1494 — Paris, 9 de abril de 1553)escritor, padre e médico francês do Renascimento, que usou, também, o pseudônimo Alcofribas Nasier (um anagrama de seu verdadeiro nome).

  3. Avram Noam Chomsky (Filadélfia, 7 de dezembro de 1928) é um linguista, filósofo e ativista político estadunidense. É professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

BIBLIOGRAFIA: