Em 02 de Fevereiro de 2002 – Restaurante Olaria / Aveiro
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Senhores representantes da Comunicação Social.
Permitam-me que antes de responder as vossas questões lhes apresente alguns considerandos prévios, que eventualmente poderão conter alguma informação útil.
Recentemente a opinião pública tem sido confrontada com inúmeras notícias sobre maçonarias
Cabem-me algumas responsabilidades de dever intervir sobre este tema, em especial pelas funções que desempenhei publicamente como responsável pela Maçonaria Universal Portuguesa, na Grande Loja Regular de Portugal, que hoje actua legalmente através da associação sem fins lucrativos Grande Loja Legal de Portugal/GLRP.
Por isso mesmo, não me tenho recusado seja em livros publicados, artigos de opinião ou entrevistas, a contribuir para a possível entreabertura da Maçonaria à sociedade civil, como é o caso recente das declarações prestadas à Revista Focus, de 31 de Janeiro.
Hoje, perante um público universitário tão qualificado e exigente, como o aqui presente nesta sala, algum rigor metodológico prévio merece consideração na exposição da matéria. Será de optar pelo método piramidal, dedutivo e tripartido… primeiro a definição conceptual, depois o desenvolvimento, e no final as consequências em conclusão? Será antes de se encarar o método académico francês de dividir a exposição em duas partes… uma a teoria geral, e depois o caso português? Ou antes terá justificação o processo americano de network, de envolvência pragmática de questões de vários case studies, para delas por indução se retirarem conclusões, e que a internet vem popularizando com o estilo FAQ (frequent asked questions)?
As vantagens de acordarmos sobre o tipo preferido de abordagem, é evitar-se um discurso enfadonho de negativos efeitos digestivos, a sonolência de alguns, e o embaraço do convidado que sempre hesita entre a pedagogia, o apostolado, e o proselitismo de uma filosofia que lhe é cara. Filosofia, ou crença, ou liberdade de pensamento e de consciência, enfim de uma atitude moral de Filosofia sobre a Vida, e as vidas.
A ideia deste jantar com debate, indicia que estamos aqui para conversar, isto é ver o verso, o anverso e o inverso das nossas opiniões, das nossas questões, e por isso, que tal inverter a lógica e começar pelo fim, perdão pelo princípio… Que ideia é que os meus amigos têm da Maçonaria e dos maçons?
Decerto que me perguntam com Síndrome de Jornalista, sem tiques inquisitoriais sobre o what? O how? E o why? De facto, as perguntas essenciais são o que é a Maçonaria, como actua, para que serve!
Claro que alguns já leram algo sobre estes temas, senão, pergunta-se ao organizador do jantar… porquê este tema? Porquê eu, para tratar do tema?
Na realidade, a primeira ideia a esclarecer é a de que o ideal maçónico (operativo) foi desenvolvido em Portugal desde a Tradição dos pedreiros e construtores de catedrais, sendo inegavelmente o Grande Iniciado português Mestre Affonso Domingues, aliás um dos patronos da Maçonaria de Tradição em Portugal.
Por esse motivo, devem os maçons regulares e de Tradição, neste ano de 2002 comemorar os 600 anos da morte de Mestre Affonso Domingues, que aliás coincide com a data de 1802, quando sob os auspícios do Duque de Sussex e da Grande Loja de York se iniciou a prática da Maçonaria (especulativa) em Portugal, e de que a GL de que fui Grão-Mestre, é a legítima e directa herdeira, depois de se ter perdido essa legitimidade no final do século XIX.
Pessoalmente em 2002, e acompanhado por alguns bons e legítimos maçons celebrarei pelos meios ao meu alcance o 600º aniversário da morte do Mestre Iniciado, e do bicentenário do princípio da prática da Maçonaria Regular em Portugal, e simultaneamente nos congratularmos pela tolerância espiritual avançada pelo Papa João Paulo II em Assis, capital de ecumenismo.
Vamos agora a algumas FAQ?
Mas quem é Maçon?
São Maçons aqueles que são reconhecidos como tal.
E que estatuto tem os Maçons?
Em direitos são iguais aos demais, em deveres tem mais que os demais. Titular de direitos o Maçon não pode ser discriminado nem perseguido, titular de mais deveres, deve contribuir para que os demais, seus irmãos, ou profanos, possam ascender à condição de homens livres, e de bons costumes também.
O Maçon é um homem livre e de bons costumes.
Quanto às mulheres, elas não necessitam ser iniciadas maçons para o seu auto aperfeiçoamento, e para colaborarem solidariamente no progresso da Humanidade, no Universo. As mulheres têm em si de forma imanente a compreensão da verdade, e dos segredos da eternidade, e do fenómeno da criação, que o homem, só por via transcendente pode ambicionar compreender por um processo ritual de nomenclatura masculina. As mulheres estão por si mesmas fora da Maçonaria, pois são-lhe anteriores.
Livre?
Melhor dizendo é um homem que se quer liberto de constrangimentos materiais e imateriais. O Maçon é livre espiritualmente e materialmente. Tem o poder de ser livre, pois pode ter o direito à liberdade para si, e o dever da liberdade para os outros. Para tanto teve de atingir maturidade cívica, e receber a iniciação espiritual que lhe permitiu ganhar a plena consciência de si próprio, perante o universo e o seu criador, perante a Sociedade e a Natureza, e perante si próprio. Livre porque caminha para a compreensão de si próprio.
De bons costumes?
Bons costumes que significam uma constante busca do seu conhecimento pessoal do saber filosófico de que não se deve fazer aos outros aquilo que não gostaríamos que nos fizessem, por essa via, para a elevação e aperfeiçoamento, através de uma auto exigência de recto comportamento, honradez de carácter, de consistência da sua consciência, e portanto de uma solidariedade para com os outros que lhes permitam ascender a sua condição de Maçon, isto é, a aspirarem serem também reconhecidos como tal pela iniciação.
O Maçon deve estar pois consciente da sua sintonia com a eternidade Universo, com o equilíbrio em movimento do Cosmos, da sua integração interactiva com a Natureza, enfim com o seu gregarismo activo na Sociedade.
Acrescentemos que o Maçon deve trabalhar, porque tem também o direito a trabalhar, sozinho e em Irmandade, naqueles valores através da Paz, da Harmonia, da Tolerância, da Igualdade, da Liberdade, da Fraternidade e da Solidariedade e que permitem depois do grau de Aprendiz, passar a Companheiro e ser elevado a Mestre.
O Maçon, na sua qualidade espiritual de Maçon, na Maçonaria, trabalha sempre com a sua alma ao nível transcendente, à Glória do Grande Arquitecto do Universo. Não trabalha nem para empresas, nem para associações, nem para famílias, nem para o Estado, nem para partidos. O que o caracteriza é o direito de poder ser (individualmente) livre, e o dever de ser (socialmente) de bons costumes.
O Maçon, na sua qualidade humana de Pessoa, na Sociedade, deve apenas ser coerente com o seu estatuto maçónico, e assim ser exemplo pela evidência positiva dos seus valores filosóficos, éticos e espirituais.
Acrescento apenas mais um conceito, o da regularidade maçónica.
O Maçon trabalha como tal em Lojas, antiga forma conceptual esotérica, e não material, de designar o conjunto de irmãos maçons que se reúnem regular e periodicamente. E reúnem-se num Templo, designação também conceptual, esotérica, com decoração simbólica, esta exotérica e ritual (entre colunas, sob as três luzes: do esquadro, do compasso e do livro sagrado), do local físico onde se recolhem. Que tanto pode ser em campo aberto, como num salão, ou numa cave.
As Lojas por sua vez, para actuarem e persistirem com legitimidade, devem assegurar que esta lhes seja transmitida desde o momento da constituição e consagração, por uma autoridade maçónica independente, isto é dotada de soberania sobre o território da sua jurisdição, e reconhecida internacionalmente pela Ordem da Maçonaria Universal. Se assim não for, não há Obediência Maçónica (Grande Loja ou Grande Oriente) com legitimidade, não há Lojas legitimas, não pode pois haver Maçons legitimados, isto é, não podem ser reconhecidos como tal universalmente.
A legitimidade e a legalidade cívica, é outra realidade, que só por si nada significa em termos maçónicos. Ou seja, sem legitimidade e legalidade maçónica, a criação cívica no mundo jurídico e administrativo de uma aparência de Grande Loja, ou de Grande Oriente, nada significa, e por isso é exigível a existência prévia da realidade conceptual correcta a nível maçónico. Sem esse substrato não há formalismo que prevaleça. Por outro lado, o maçon deve respeitar escrupulosamente a ordem da legalidade democrática dos poderes cívicos constituídos seja porque forma sejam exercidos, por exemplo, em regime de monarquia ou de República.
Só há Maçonaria substantiva e sem adjectivos, se esta cumprir de origem com a Regra, se for regular. Se for irregular é ilegítima, e não é Maçonaria com maiúscula, mas sim com minúscula, o conceito será então adjectivo, e não substantivo.
O Maçon que cumprir com a Regra e for reconhecido como tal por uma Loja Regular, no seio de uma Obediência Regular, será também Maçon Regular. Mas se a repudiar, ou trocar por uma outra qualquer organização apenas cívica, ainda que aparência maçónica, perderá universalmente aquela qualidade de Maçon reconhecido como Regular.
Não se trata de uma mera questão administrativa e formal, como alguns querem fazer crer. Antes está em causa que os Maçons pela sua própria natureza, não subsistem individualmente, mas antes em Loja, em conjunto com outros iniciados, porque é dessa imersão na irmandade que o trabalho espiritual pode progredir, e afirmar-se de acordo com os Antigos Usos e Costumes e os Landmarks.
Por isso, quando alguém se afasta da Regra, a Loja, ou mesmo a Obediência em que esta se integra, tem o poder de aplicar sanções até a gravidade da exclusão, e que tem valor urbi et orbe, em termos maçónicos, isto é, tem efeitos universais.
Do mesmo modo quando um Maçon considera que a sua Loja, ou a sua Obediência se afastou ou violou a Regra, tem o direito de se auto excluir de uma qualquer organização, que de Maçónico só terá a aparência, e de procurar acolhimento em outra Loja, em Outra Obediência que cumpra com a Ordem Maçónica Universal.
Uma palavra para aqueles que morreram. Liberto do corpo humano, o espírito ganha a liberdade total, reentra de pleno no Universo, funde-se no Cosmos, passa ao Oriente Eterno, e aí regulariza-se ao sujeitar-se à Regra, na plenitude do GADU.
Já temos agora feita a apresentação piramidal do tema:
Maçonaria é um movimento ancestral de ideias e filosofias, baseado na crença do Criador, GADU, na Paz e Harmonias do Universo, que implica liberdade e solidariedade entre os seres humanos, levada a cabo por Homens que praticam regras de fraternidade, e igualdade, em Lojas, mediante um ritual, legitimamente transmitido, e que visa, o aperfeiçoamento espiritual individual, a melhoria da Humanidade, e o irradiar da Ordem a que pertencem desde a iniciação.
Daí que existam Maçons, os Homens que praticam aquela atitude e filosofia de vida, e a divulgam ciclicamente ao longo das gerações. E consequentemente, que exista em todo o Mundo, em Portugal também, uma obra maçónica, quer com edifícios administrativos e rituais (templos) quer com edifícios intelectuais (bibliografia), quer com edifícios humanos (organizações) como a Cruz Vermelha, a Unesco, e diversas outras instituições de solidariedade social, como por exemplo os Hospitais dos Shrines nos EUA.
Já temos também feita a apresentação do tema ao estilo francês:
A Maçonaria existe em todo o Mundo sob a forma regular, respeitando a regra da crença no GADU, e através de Grandes Orientes e Grandes Lojas, no âmbito da Maçonaria Moderna e especulativa desde o século XVIII.
Não existe uma Organização Central, nem um decisor centralizado (um papa ou imperador), porquanto a Maçonaria resulta de uma pluralidade de Ordens soberanas, com jurisdição própria, e que se guiam por antigos usos e costumes e os Landmarks, em especial os praticados pela Loja Mãe da Maçonaria, a UGLE (Grande Loja Unida de Inglaterra), e aceites por numerosas Conferências Internacionais como a dos Grão-Mestres da América do Norte, e da Conferência Mundial das Grandes Lojas.
Em Portugal a Maçonaria Universal tem como único e legitimo representante a GLRP, fundada e consagrada em 1991, cuja última Loja constituída, tem o número 50, e o nome de Camelot (ver na internet em www.camelotsite.info), e que actua no mundo cívico ou profano sob a forma da Associação sem fins lucrativos, Grande Loja Legal de Portugal/GLRP.
Finalmente em estilo anglosaxónico, e em resultado dos case studies e das FAQ, e por indução temos:
Que a Maçonaria é um movimento humano de forte espiritualidade e ecumenismo, com evidentes preocupações filosóficas e humanitárias, aberta a uma elite de homens livres e de boa vontade, que manifestem a sua crença no GADU, e estejam disponíveis para com ética e em irmandade, aprofundarem os valores universais, que lhes permitam uma melhor integração terrena, e uma aspiração a uma integração universal, independentemente dos poderes profanos e interesses materiais, na prática do esoterismo simbólico do ritual em Loja, integrada numa Grande Loja.
Para uma mais concreta visualização dos aspectos exteriores ou exotéricos da Maçonaria, e dos Maçons, está em circulação um dossier com algumas peças documentais que ilustram este nosso encontro, e que permitem que cada um de vós se assim for o vosso desejo, encontre as pistas que lhes permita um dia encontrar a porta, que aberta, conduzirá à LUZ.
Que assim seja,
Bem Hajam
À Glória do Grande Arquitecto do Universo.
Aveiro, ao Oriente de Portugal,
Ao segundo dia, do segundo mês de 6002
Luís Nandin de Carvalho, M.·.M.·., e Grão Mestre Ad Vitam da G.·.L.·.R.·.P.·..