ENSAIO: GNOSE

Gnose – saber por excelência; ciência superior às crenças vulgares; conhecimento.
Gnóstico – seguidor do gnosticismo.
Gnosticismo – sistema teológico e filosófico que se atribui um conhecimento sublime da natureza e dos atributos divinos.
Agnóstico – relativo ao agnosticismo.
Agnosticismo (1) – do grego “a”, sem; e “gnosis”, conhecimento; doutrina que declara o absoluto inacessível ao espírito humano e professa uma completa ignorância relativamente ao princípio e à essência de todos os fenómenos físicos e morais.

Hoje, os termos gnóstico ou agnóstico não são de uso comum, não fazem parte de nossa linguagem quotidiana. Normalmente os termos de pouco uso tem o risco de terem seu conceito deformado e desviado do seu real significado, sendo deturpado e mal compreendido com o passar do tempo, principalmente quando seu significado envolve conceitos que possam sustentar opiniões divergentes dos diversos interesses particulares de estruturas sociais ou filosóficas instituídas.

Observamos no dia-a-dia o uso de termos cujo conceito desconhecemos; repetimos e damos o crédito supondo que quem o utilizou nos deu uma base suficiente. Porém isso não é o bastante, pode ser enganoso e prejudicial, pois, podemos abraçar um conceito insuficiente e por vezes desvirtuado de seu sentido original. Mesmo nos dicionários verificamos mudanças que levam a uma má interpretação de seu sentido original pela acção do tempo e o famoso “uso e costumes”.

Temos ouvido falar em agnóstico como antónimo (2) de gnóstico. Literalmente, agnóstico, significa um desconhecedor ou ignorante, mas, em sentido figurativo descreve uma pessoa sem fé religiosa, que não obstante se ressente de ser chamada de ateísta.

Gnostikoi em grego indica aqueles que possuem a gnose ou o conhecimento. O gnóstico é o conhecedor e não o seguidor de alguém que pode ser um conhecedor.

Em suas origens, os gnósticos viveram durante os 3 e 4 primeiros séculos da era cristã. O gnosticismo tornou-se um sistema definido de pensamento com sua origem num passado remoto, acumulando ao longo do tempo conhecimento das mais diversas fontes se fundindo em um sistema único. Esse sincretismo (3) vem do antigo Egipto e com maior força da Pérsia (hoje Irão) como da Babilónia.

Eram ávidos escritores deixando vários textos em sua época, porém, dado suas ideias avançadas (como livre pensadores) e como não se submetiam a dogmas temporais, não eram estimados, pois ameaçavam, ou melhor, suas ideias incomodavam e punham em risco as instituições existentes, o que causou uma incansável perseguição e destruição de sua literatura (gnóstica), pelos queimadores de livros e caçadores de hereges da Igreja.

Não se intitularam gnósticos, mas assim foram denominados por não serem cristãos, nem judeus ou seguidores de tradições de antigos cultos, mas pessoas que compartilhavam entre si certas atitudes perante a vida, consistindo isso na convicção de que o conhecimento directo, pessoal e absoluto das verdades autênticas da existência é acessível aos seres humanos e que a obtenção de tal conhecimento deve sempre constituir a suprema realização da vida humana. Clement de Alexandria (150 / 220 A.D., data imprecisa) designa gnose como “o conhecimento de quem somos, o que nos tornamos, onde estamos, em que lugar fomos colocados; onde fomos precipitados, onde somos redimidos; que é nascimento, que é renascimento”. É uma espécie imediata de conhecimento que penetra na consciência como um lampejo sem esforço do raciocínio, uma iluminação da consciência. Essa aquisição de conhecimento, essa revelação intuitiva pode ser possibilitada pela realização de rituais e cerimónias.

A liberdade de pensamento na sua mais abrangente conceituação leva à psicologia profunda que nos direcciona a uma transformação e visão interior capazes de nos conduzir a um conhecimento pessoal que prescinde tanto da Lei como da Fé.

A religião, a ciência, a filosofia, a arte, a literatura, a política, representam apenas abordagens parciais do grande mistério da Alma e do Homem. Cada qual apresenta uma faceta própria, mas sempre fragmentada do Todo. Todas essas abordagens buscam um equilíbrio e uma melhora na qualidade de vida e de bem-estar, e procuram de uma maneira dividida, isolada, buscar a harmonia num momento exterior a si mesmo, deixando de perceber que a única realidade é interior, que se encontra no âmago mais profundo de nossa psique.

A suprema realidade está além do alcance conceptual. A psicologia moderna nos mostra que a gnose se encontra na experiência vital da transformação psíquica pessoal. A prática ritualística (como exemplo, nossos rituais) pode induzir transformações, mas não pode ser confundida com fórmulas de sabedoria, pois cairia num terreno dogmático e nebuloso.

A experiência é sempre pessoal, e nunca conseguiremos expressa-la ou interpreta-la adequadamente, tentando organiza-la desta ou daquela forma direccionando apenas à razão, uma vez que toda conceituação tentada aponta apenas semelhanças na experiência.

 

José Eduardo Stamato, M.’.I.’.
ARLS Hórus 3811, REAA
Santo André – Grande Oriente de São Paulo, Brasil

 

NOTAS
(1) Termo criado por Huxley (Thomaz Henrique), fisiologista inglês (1825-1895).
(2) Antónimo – qualificativo das palavras de significação oposta.
     Sinónimo – diz-se da palavra que tem quase a mesma significação que outra.
(3) Sistema filosófico que combina os princípios de diversas sistemas; ecletismo; amálgama de concepções heterogéneas.
Ecletismo – tendência filosófica resultante, em geral, do conflito de culturas e do embate das ideias e que a escolher em cada sistema o que parece mais consentâneo com a verdade.

 

BIBLIOGRAFIA
A Gnose de Jung – Stephan A. Hoeller – Ed. Cultrix
Enciclopédia e Dicionário Internacional – W.M. Jackson, Inc.
Os Cátaros – René Nelli – Edições 70 (Lisboa – Portugal)
Os Cátaros e a Reencarnação – Arthur Guirdham – Ed. Pensamento
Provença – Helyette Malta Rossi – FEEU (Fundação Educacional e Editorial Universalista – Porto Alegre – RGS)