Seminário Organizado pela R.L. Luís de Camões da GLRP – Monte Real, Leiria, 3 de Abril de 2004
A perspectiva Maçónica, por Luís Nandin de Carvalho*
Minhas Senhora e Meus Senhores
Meus Amigos e Meus Irmãos,
I – Prólogo.
A comunicação que apresento é em nome pessoal, não vincula por isso nenhuma organização ou entidade e muito menos é a transmissão de um recado ou doutrina definida por outrem.
Em boa verdade o título que consta do programa deve ser alterado para Uma perspectiva de um Maçon para ser mais consentânea com a veracidade dos factos. De facto a cultura maçónica não é dogmática para além dos princípios dos LANDMARKS, e por isso, sendo o Maçon Homem Livre, livre é de pensar sobre o mundo profano e em geral sobre a civilização que integra.
Decerto que ao fazê-lo, sendo maçon, imbuído de valores e cultura e praxis maçónica não deixará de exprimir uma atitude e um comportamento que os observadores reconhecerão e entenderão ser partilhados por outros maçons, mas sem que tal resulte de uma identificação fundamentalista, sectária, militante, partidária ou meramente clubista, como seria apanágio de outras organizações humanas.
Neste ponto uma advertência é necessário fazer relativamente a correntes maçónicas mais intervencionista, ditas liberais e que se identificam com a chamada maçonaria irregular, e que se distinguem não só filosoficamente como pragmaticamente da Maçonaria Universal, também identificada como Regular.
De facto e de Direito, a primeira destas correntes é mais intervencionista, entende que o dogma fundamental (1) é o da liberdade do homem, e que portanto pode o homem entender se existe ou não Deus, o Criador, assumindo-se como seu superior portanto.
Daqui decorre como consequência, se o homem arroga-se epicentro do universo, e pode endeusar-se…pode também criar o mundo à sua imagem e semelhança e consequentemente o maçon entende nesta corrente de pensamento, que se deve privilegiar o trabalho exterior da Maçonaria, como tal, que deve transformar-se materialmente a sociedade, activa e politicamente, promovendo por exemplo a substituição de um regime monárquico por um republicano, conduzindo uma greve, uma manifestação, a revolução, etc.
Pelo contrário, o maçon regular, assente a sua crença no Grande Arquitecto do Universo e feito o juramento sobre um Livro da Lei Sagrada tem uma atitude mais humilde. Procura a Luz, procura aperfeiçoar-se pessoal e espiritualmente, e assim, o seu intervencionismo faz-se predominantemente pelo trabalho interior, em Loja e não na rua, faz-se principalmente pela mente e não pelo braço, e a sua intervenção externa deve ser pautada pelo coração da partilha, da solidariedade, da difusão da Ordem, do saber cósmico e seus mistérios.
A sociedade para os maçons regulares, resultará então transformada não pela acção directa, mas antes pela acção indirecta de mais e melhores homens o serem, por se terem iniciado maçons. Isto é, a Sociedade será tanto melhor quantos mais maçons nela servir, e não quando quantos mais maçons dela se servirem para os seus objectivos individuais e egoístas (2).
II – Tese.
Deste modo, uma perspectiva maçónica sobre a Globalização e os Direitos Humanos de um maçon regular deve ser alicerçada sobre a crença da existência Criador do Universo, sobre a energia e equilíbrio cósmicos onde nos contemos, na nossa dimensão material e humana e também sagrada e espiritual (3).
Consequentemente o maçon deve perseguir, enquanto tal, o seu aperfeiçoamento pessoal nesse contexto, desenvolver na sua Loja as solidariedades necessárias, contribuindo fraternalmente para que os seus irmãos mais próximos alcancem igual nível de liberdade espiritual, e depois fomentar pela participação da sua Loja na Grande Loja e nas suas iniciativas esotéricas e exotéricas, uma igualdade eficaz e real com todos os maçons da sua jurisdição em particular, e em geral com todos os maçons de todo o mundo. É este o significado correcto a dar a expressão Igualdade, Liberdade e Fraternidade numa perspectiva maçónica regular em que me coloco. A relação interventiva do maçon regular no mundo exterior tem pois duas dimensões:
1) a que resulta da sua acção e comportamento individual que evidenciará a sua dimensão humana e espiritual, por exemplo como é o caso da minha participação neste seminário, ou no desempenho de funções privadas ou públicas, ou em associações (Cruz Vermelha, Unesco etc.) no contacto com os seus semelhantes, em que o seu grau de consciência e de dignidade de correcção de comportamentos será desejavelmente paradigma de valores respeitáveis. Esta prática conduz a uma irradiação da Ordem, isto é a uma percepção pela sociedade de que o maçon é portador de valores superiores e atractivos, e portanto a algo que os demais profanos podem aspirara a pertencer.
2) A que resulta da acção da Loja ou da Grande Loja em que esta se integre, ou ainda de organizações para maçónicas. Aqui, o desenvolvimento de estudo e a apresentação de pranchas, o convívio entre Irmãos, e a realização externa, como é o exemplo deste seminário da responsabilidade da RL Luís de Camões, ou de obras de solidariedade, ou ainda da promoção de novas Lojas, como é o exemplo da consagração recente de uma Loja de angolanos no seio da GLRP, permitem de forma consequente divulgar ideais, valores e comportamentos que permitam uma crescente emancipação e progresso da humanidade sob o ângulo espiritual.
Em geral pois o maçon regular dedica-se a sua família, emprego e actividades sociais sem perder de vista o exemplo que o seu comportamento poderá ter como reverenciadora de uma atitude positiva, pró activa e solidária para a melhoria das condições de vida material, passo necessário para a ascensão intelectual e espiritual da condição humana como se recorda do aforismo primum vivere deinde philosophare…
Ou seja O maçon realiza-se por uma auto exigência crítica elevada de padrões de comportamento, quantos mais maçons, mais será a sinergia do seu comportamento, mais e melhor sociedade delas resultará.
Entre as determinantes de um pensamento maçónico encontram-se alguns vectores hoje vazados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, como na Declaração dos direitos do cidadão do século XIX, como mais recentemente aconteceu na progressão da União europeia por ocasião do Tratado de Nice, tudo tendo como pano de fundo a pacificação social (4).
O paradigma do respeito do próximo, do pluralismo dos próximos, conduz à consagração da dignidade espiritual da condição humana, como parte integrante do universo, o que vai de parte com a Defesa do Ambiente e do eco sistema em que nos situamos. A atitude de fraternidade que pressupõe a igualdade conduz à igualdade em homens e mulheres e à discriminação activa dos desfavorecidos, jovens, idosos, e portanto à liberdade de expressão, de associação, de culto, sempre num contexto em que a tolerância, como estilo comportamental, conduz à harmonia e à Paz.
Ou seja, quod est demonstrandum, uma perspectiva maçónica só pode considerar a globalização do processo de emancipação e progresso espiritual como uma dinâmica positiva, que deverá preocupar no sentido de serem criadas condições, sem hipocrisias, que a favoreçam, e evitem desvios que a contrariem, por serem anti sociais, ou seja de sujeição a dependências no domínio económico, discriminações no âmbito social, sujeições de carácter espiritual, ou seja, a globalização deve ser também a mundialização dos direitos humanos, e a via da universalização do direito à espiritualidade.
III – Epílogo.
Tudo o que fica dito não pode escamotear a perspectiva actual dos direitos humanos ditos de terceira geração (5). Na realidade, hoje já não estão em causa para a generalidade da humanidade, a primeira geração dos direitos humanos, como o foram o direito à vida, ao voto, a eleições livres, à liberdade de expressão, à igualdade racial, etc. Também hoje, para largo sector da humanidade já não estão em causa os direitos humanos de segunda geração, como por exemplo o direito à saúde, à habitação, ao emprego, à reforma, ao rendimento mínimo, transportes etc.
Hoje, para muitos de nós, o que está na ordem do dia são os direitos humanos de terceira geração, e que incluem o direito à informação, à participação política à justiça e bioética humanizada, ao ambiente, o direito ao lazer, à cultura, enfim à cidadania activa e responsável.
Só a este nível podemos considerar atingido o quantum satis da condição humana e sagrada, e por isso mesmo, uma perspectiva maçónica sobre a globalização e os direitos humanos, se defende em concreto, para cada situação do globo, para cada comunidade humana, uma adequada respostas aos três níveis de direitos humanos de cada uma das três tipologias inventariadas.
Tal passa em primeiro lugar de todos, pela educação e pela cultura, primeiro degrau e via da ascensão e refundação a níveis superiores de consciência, que permitirão com a solidariedade internacional elevar padrões de simples sobrevivência material para padrões de aperfeiçoamento e libertação espiritual, que uma vez atingida será o maior antídoto ao flagelo da exclusão, intolerância, fundamentalismo e comportamentos de risco aventureiro pela contestação social de minorias, que recorrem ao terrorismo como um suicídio colectivo de aniquilamento e de denegação da nossa dimensão sagrada (6). Rejeitamos todas essas intolerâncias e fundamentalismos de cemitério.
De facto, nós amamos a vida como aceitamos a morte, como amamos o renascimento e a criação cósmica do Universo pelo Supremo Criador.
* Luís Nandin de Carvalho, M.·.M.·., e Grão-Mestre Ad Vitam da G.·.L.·.L.·.P.· / G.·.L.·.R.·.P.·..
NOTAS:
(1) Dogma não no sentido de algo que é imposto, mas sim de algo que é posto. Ver Miguel Reale, Teoria Tridemensional del Derecho, ed. Tecnos, Madrid, 1997, pag.120.
(2) Quantas vezes dissimulados mas sempre conotados com desejos de falsa glória. Ver Frederico da Prússia, O Anti-Maquiavel, ed Guimarães editores, Lisboa 2000, pag. 32.
(3) Touret Denis, Introduction a la sociologie et a la philosophie du droit, la bio-logique du droit, ed. itec, 1995. ver pag 90 sobre a natureza cósmica do homem.
(4) O discurso político visa sempre a pacificação social. Ver Christian Le BArt, Le discours politique, ed. PUF, Paris 1998, pag. 89
(5) Entre outros direitos de terceira geração, ou novos direitos, exponenciais do direito de cidadania, projectando esta a nível universal, poderão incluir o direito à paz internacional, o direito à diferença, direito ao património mundial da humanidade etc. Ver Jean Rivero, Les Libertés publiques, tome 1, Les Droits de L´homme, ed. PUF, Paris, 1974, pag. 135
(6) O suicídio representa sempre um “mal de vivre”, uma frustração e misogenia emocionalmente descontrolada. Ver David Le Breton, La Sociologie du risque, ed. PUF, Paris, 1995, pag. 21