Divindade complexa, com múltiplos atributos e funções, Hermes foi no início um deus agrário, protetor dos pastores e dos rebanhos. Um escrito de Pausânias deixa bem claro esta atribuição do filho de Maia: “Não existe outro deus que demonstre tanta solicitude para com os rebanhos e para com o seu crescimento”. Mais tarde, os escritores e os poetas ampliaram o mito, como por exemplo, Homero, nos seus poemas épicos Ilíada e Odisséia. Na Odisséia, por exemplo, o deus intervém como mago e como condutor de almas (nas Rapsódias X e XXIV). Protetor dos viajantes, Hermes é também o deus das estradas. Nas encruzilhadas, para servir de orientação, os transeuntes amontoavam pedras e colocavam no topo do monte a imagem da cabeça do deus. A pedra lançada sobre um monte de outras pedras, simbolizava a união do crente com o deus ao qual elas estavam consagradas. Considerava-se que nas pedras do monte estavam a força e a presença do divino. Para os gregos, Hermes regia as estradas porque andava com incrível velocidade, por usar as sandálias providas de asas. Deste modo, tornou-se o mensageiro dos deuses, principalmente de seu pai, Zeus. Conhecedor dos caminhos, não se perdendo nas trevas e podendo circular livremente nos três níveis (Hades ou infernos, Terra ou telúrico e Paraíso ou Olimpo), Hermes tornou-se um deus condutor de almas. A astúcia, a inventividade, o poder de tornar-se invisível e de viajar por toda a parte, aliados ao caduceu com o qual conduzia as almas na luz e nas trevas, são os atributos que exaltam a sabedoria de Hermes, principalmente no domínio das ciências ocultas, que se tornarão, na época helenística, as principais qualidades do deus. A partir deste ponto, Hermes se converteu no patrono das ciências ocultas e esotéricas. É ele quem sabe e quem transmite toda a ciência secreta. O feiticeiro Lúcio Apuléio declara em seu livro de bruxaria (De Magia) que invocava Mercúrio – o Hermes dos romanos – como sendo aquele que possuía os segredos da magia e do ocultismo. Hermes Trismegistos é o nome grego dado ao deus egípcio Thoth, considerado o inventor da escrita e de todas as ciências a ela ligadas, inclusive a medicina, a astronomia e a magia. Segundo o historiador Heródoto, já no séc. V a.C. Thoth era identificado e assimilado a Hermes Trismegisto, i.e., ao Três Vezes Poderoso Hermes. A pedra de Roseta, gravada no ano 196 a.C também identifica Hermes como Thoth. A tradução dos hieróglifos das câmaras mortuárias do Vale dos Reis permitiu dividir os escritos atribuídos a Hermes-Thoth em dois tipos principais: o Hermetismo “popular” que trata da astrologia e das ciências ocultas, e o Hermetismo para os “cultos”, que trata de Teologia e de Filosofia. Do renascimento até ao final do século XIX pouca atenção foi dispensada aos Escritos Herméticos populares. Estudos recentes mostraram, no entanto, que a literatura popular hermética é anterior ao Hermetismo dito culto, e reflete as idéias e convicções dominantes no império romano. Os Escritos Herméticos sobre Teologia e Esoterismo constam de dezessete tratados, que compõem o Corpus Hermeticum. Este conjunto de Escritos reúne as compilações feitas por Stobaeus e por Apuleius. A compilação de Apuleius for traduzida para o Latim por Asclepius. Estes escritos são datados dos três primeiros séculos da era cristã e foram escritos em língua grega, embora os conceitos neles contidos sejam de origem egípcia. O Corpus Hermeticum reúne a Hermética e a Tábua de Esmeralda. Estas duas obras são trabalhos estritamente herméticos sobre os quais se fundam a ciência e a filosofia alquímicas. A Hermética consta de uma série de livros, dos quais o mais importante é Livro I, Pimandro, que é um diálogo de Hermes consigo mesmo. O Hermetismo foi estudado durante séculos pelos árabes, e por seu intermédio chegou ao Ocidente, onde influenciou homens como Albertus Magnus. Em toda a literatura Medieval e do Renascimento são freqüentes as referências a Hermes Trismegistos e aos Escritos Herméticos, estudados e aprofundados, principalmente, pelos Alquimistas e pelos Rosacruzes. Para os Rozacruzes, Hermes Trismegistos foi um sábio. O Dr. H. Spencer Lewis, escritor e Grande Mestre da Ordem Rosacruz, se referia a Hermes como uma pessoa real. No mundo greco-latino, sobretudo em Roma, com os gnósticos e neoplatônicos, Hermes Trismegisto se converteu num deus cujo poder varou os séculos. Na realidade, Hermes Trismegisto resultou de um sincretismo com o Mercúrio latino e com o deus egípcio Thoth, o escrivão no julgamento dos mortos no Paraíso de Osíris, e patrono de todas as ciências na Grécia Antiga. Em Roma, a partir dos primeiros séculos da era cristã, surgiram muitos tratados e documentos de caráter religioso e esotérico que se diziam inspirar-se na religião egípcia, no neoplatonismo e no neopitagorismo. Esse vasto conjunto de escritos que se acham reunidos sob o nome de Corpus Hermeticum, coleção relativa a Hermes Trismegisto, é uma fusão de filosofia, religião, alquimia, magia e astrologia, e tem muito pouco de egípcio. Desse Corpus Hermeticum muito se aproveitou a Gnose (conhecimento esotérico da divindade, transmitido através dos ritos de iniciação). Os gnósticos, com seu sincretismo religioso greco-egípcio-judaico-cristão surgido também nos primeiros séculos da nossa era, procuraram conciliar todas as tendências religiosas e explicar-lhes os seus fundamentos através da Gnose. As sandálias de Hermes eram dotadas de asas, separavam a terra do corpo pesado e vivente, e daí vem a importância simbólica das sandálias depostas, rito maçônico que evoca a atitude de Moisés no monte Sinai, pisando descalço a terra santa. Descalçar a sandália e entregá-la ao parceiro era, entre os judeus, a garantia de cumprimento de um contrato. Para os antigos taoístas, as sandálias eram o substituto do corpo dos imortais, e seu meio de deslocamento no espaço. Em Hermes e Perseu, as sandálias aladas são o símbolo da elevação mística. O caduceu significa em grego bastão de arauto. Símbolo dos mais antigos, sua imagem já se acha gravada, desde o ano 2.600 a.C., na taça do rei Gudea de Lagash. São várias as formas e múltiplas as interpretações do caduceu. Insígnia principal de Hermes, é um bastão em torno do qual se enrolam, em sentidos inversos, duas serpentes. Enrolando-se em torno do caduceu, elas simbolizam o equilíbrio das tendências contrárias em torno do eixo do mundo, o que leva a interpretar o bastão do deus de Cilene como um símbolo de paz. A serpente é um símbolo encontrado na Mitologia de todos os povos. Todas as grandes idéias surgidas no início da Civilização foram representadas pela serpente: o Sol, o Universo, Deus, a Eternidade. Enroscada no Tau, a serpente é o símbolo do Grau 25 do REAA. Também se pode interpretar o caduceu como sendo o símbolo do falo ereto, com duas serpentes acopladas. Esta interpretação do caduceu é uma das mais antigas representações indo-européias, sendo encontrado na Índia antiga e moderna, associado a numerosos ritos, bem como na Grécia, onde se tornou a insígnia de Hermes. Espiritualizado, esse falo de Hermes penetra no mundo desconhecido em busca de uma mensagem espiritual de libertação e de cura. Hoje em dia o caduceu é o símbolo universal da Medicina. O esoterismo maçônico, com a sua tradução em rituais, símbolos e ensinamentos, é criação de grandes pesquisadores, colecionadores de livros e de manuscritos raros, e grandes estudiosos das culturas da antiguidade. Elias Ashmole, Desaguilliers e Francis Bacon foram alguns destes homens, Rosacruzes e grandes conhecedores do hermetismo e da transmutação alquímica dos metais, através da Pedra Filosofal. Eles introduziram na Maçonaria os mesmos conceitos filosóficos, utilizando agora os instrumentos da arte de construir, como símbolos da regeneração e do aperfeiçoamento moral e espiritual do Homem. Hermes Trismegisto foi, na Mitologia Grega, o deus que reuniu os atributos que todos os grandes pensadores e iniciados desejaram transmitir às futuras gerações. Ele foi um deus tão importante que na cidade de Listra, a multidão, ao ver o milagre realizado pelo apóstolo Paulo, tomou-o por Hermes e gritou entusiasmada, pensando estar diante de um deus sob forma humana. Obras consultadas ANTÓNIO ROCHA FADISTA |