INICIAÇÃO

Chiado às 19:00h… Num café de esquina,  O Trevo  creio, aguardo com a serenidade possível um momento único. (Não consigo deixar de pensar, analógicamente, no símbolo deste café, ou não fará o trevo lembrar a cruz templária? E uma vez que coincidências não são mais do que acasos com sentido…)

Naquele dia 14 do 4º mês do ano, encontro-me sentado num café, igual a tantos outros nesta cidade, mas neste dia, especialmente neste dia, aquele café parecia ter um ambiente diferente, sentei-me e pedi algo para comer, olhei em volta e tudo me parecia banal e comum, não durou mais do que 3 minutos até perceber a diferença no ambiente.  Pensando ainda nesta data, o dia 14, o dia em que me é proporcionado um salto evolutivo, mais uma vez não consigo evitar a busca de analogias simbólicas, e assim o dia 14, na soma dos seus componentes perfaz o nº 5, o número do Homem completo, que somado ao nº 4 (Abril) por sinal o número dos pontos cardeais que nos devem orientar, perfaz o nº9, número da decisão e da força de execução, para regressar novamente ao nº 5 com a soma dos algarismos do ano (2003). Assim, verdade ou não, é difícil de deixar de pensar nestas coincidências…

Naquele dia e naquele café intui que a espaços e tal como em qualquer outra parte da cidade e do mundo existiam pessoas que estavam a partilhar pensamentos comigo. Pensamentos que nos levam a questões como o tentar perceber qual o papel que nos está reservado, estava certo disso. Naquele café aconteceram essas reflexões, talvez não naquele dado momento, naquele minuto, hora ou dia, mas certamente naquele espaço ou registo.

Foi bom sentir esse fio condutor, esse veio de devir, essa certeza de estar na presença de algo que me transcendia em termos físicos. E só pensei… esta força, estas sensações, neste banal café, rodeado de estranhos, cheiro de fritos e fumo de cigarro. Como será dentro de alguns instantes…? Como será, o que sentirei…?

Estava já cá fora quando chegou o meu padrinho e me disse que tudo estava pronto e que o poderia seguir, fui. Connosco veio um cão, tinha estado comigo no café. Seguiu-nos até à porta de um prédio em obras, tocou-se à campainha mas afinal não era preciso, alguém atrás de nós disse que tinha a chave, abriu a porta e entrei. O nome da rua não deixou de me causar surpresa, coincidência ou talvez não, sou proprietário de uma loja de produtos naturais numa Rua Serpa Pinto…

O cão também entrou e foi à nossa frente a maior parte do caminho,  que saberia aquele animal…    Não, pára com isso, estás a divagar demasiado, relaxa – disse para comigo. Abre-se a porta, estava escuro, mas dentro de mim havia um tal calor reconfortante, algo de tão animador e que por sentir que a sua fonte apesar de ter origem externa, me era familiar, não receei e deixei-me conduzir saboreando cada passo, cada ranger da madeira sob os meus pés.

– Entra.
Disse-me o meu padrinho, ele talvez não saiba, mas aquele momento, aquela palavra, foi fundamental. Na sala estavam mais duas personagens do mesmo enredo, duas almas tão surpresas e expectantes como eu, ou pelo menos assim o julgo.

– Senta-te.
Não demorou muito até perceber o que me era pedido, por entre tarefas distribuídas, era-me solicitado um suicídio.

Ah, mas que suicídio tão reconfortante, como poderia eu imaginar que a morte voluntária pudesse ser fonte de tão imenso prazer. O facto de saber que estou a entregar de livre vontade o meu ser, o livro da minha curta vida para que lhe possa incluir um novo e significativo capítulo, fez-me pensar no meu nascimento, e enquanto escrevo estas linhas recordo-me do que disse a um amigo de infância na noite da sua despedida de solteiro, há três dias atrás:  há dois momentos em que te é dado a oportunidade de escolheres quem ou o que queres ser   quando nasces e quando te casas.

Naquele dia soube, no meu íntimo, que afinal há três desses momentos, sendo o primeiro a sublime iniciação, aquele momento único em que os astros e o devir nos mostram o caminho de saída do ventre de nossa mãe, como que nos impelindo e dizendo ao nosso ouvido  vai e faz-te homem ; o segundo quando tomamos uma mulher por nossa companheira e a ela nos fundimos para verdadeiramente sentir o acto divino de criar uma tríade sob o nosso próprio tecto e sua benção; e o terceiro quando, finalmente nos é dada a derradeira oportunidade de significar a nossa vida, a nossa missão. Daqui o meu suicídio consciente e sereno.

Voltei ao sonho, pensei assim que me vendaram e me conduziram por entre tortuoso caminho, que apesar de simples enquanto iluminado, como mais tarde constatei quando o olhei, pois sei que ainda não o vi, naquele momento de despojamento e ascese humilde o percebi como saborosamente difícil e enigmático.

Um passo, uma mão no ombro, e avancem foi a ordem.

Aqueles passos, novamente a sentir o ranger da madeira velha do soalho, juntando ao toque suave de um manto a servir de cortina, foi o suficiente para me transportar para longe. Andava a minha mente a vaguear, procurando sensações, cheiros, sons, até que um bater de porta captou toda a minha atenção… aquelas frases, aquelas vozes mais do que as frases confesso, aquela vibração no ar, começou a dar corpo ao vaguear da minha mente como que uma âncora intemporal, as espadas, aquele som do metal a anunciar a minha vontade de entrar. Foi definitivo. Não refreei a minha imaginação, ou aquilo que ainda hoje por tal tomo, e soltei a rédea que ténuamente segurava para visualizar em minha mente um espaço místico, onde cavaleiros afinavam estratégias de batalhas espirituais, onde descansavam ao final de um dia de árduas lutas, onde buscavam orientação dos mais sábios e ofereciam um caminho aos mais novos.

Bem sei que pouco ainda me foi dado a ver, e ainda bem que assim é, pois pretendo saborear ao máximo cada momento, cada degrau desta escada, suba ou desça.

O caminho que percorri de olhos vendados, foi como que a realização de um sonho de infância, que nem sabia ter. Vivi cada momento, cada pancada do malhete, cada pergunta, cada prova, como um tornar concreto, palpável de um conjunto de ideias e ideais imanentes que, apesar de estarem nas páginas de muitos livros, nada significam enquanto meras palavras. É necessário dar-lhes vida, sentir a sua força de execução, sentir o seu poder… (permitam-me, um aparte para partilhar com quem estiver a ler estas linhas que, hoje e agora, enquanto as escrevo, começa a passar na rádio a  pedra filosofal … é o que acontece quando tentamos dar significado às nossas palavras…).

Mas ainda assim, não consigo deixar de tentar tirar conclusões ou lições das experiências, que diariamente vivo, e desta retiro fundamentalmente uma.

Quero ouvir, quero sentir, quero fluir, para um dia como vós saber criar.

Sempre aprendiz,

Frederico C.’.
A.’.M.’., G.·.L.·.R.·.P.·..