MAÇONARIA E A SOCIEDADE DO SÉCULO XXI (PASSATEMPO DO PORTAL – 1º CLASSIFICADO)

Maçonaria e a Sociedade do Século XXI
Um ensaio sobre a Globalização e Actuação da Maçonaria no mundo profano.
por Bruno Brazinha, M.’.M.’.
R.’.L.’. Camelot nº 50 (G.’.L.’.R.’.P.’./GLLP)

Índice:
1. Introdução
2. O que é a globalização?
3. As forças motoras da globalização
3.1. Trocas comerciais internacionais e o interesse dos estados
3.2. Relação entre distribuições de potencial económico e abertura económica
3.3. A relação entre o papel da tecnologia e os interesses das corporações
4. Globalização e actuação da maçonaria no “mundo profano”
5. Conclusão
6. Bibliografia


1. Introdução

O processo de globalização tem sido identificado como um dos eventos mais significativos na história do século XXI. Embora poucos questionem a sua existência, há um sentimento geral de apreensão relativamente às implicações deste movimento, nomeadamente ao nível dos processos de decisão política.

No entanto, as questões que abordarei neste trabalho não são as das implicações do processo de globalização, mas a das forças motoras por detrás deste processo: o que causa a globalização? Será a consequência natural do processo de desenvolvimento tecnológico ou motivada por vontade política. Com base nesta análise, tentarei então explorar as consequências deste processo ao nível das formas de actuação da maçonaria no “mundo profano”: como se devera situar a maçonaria relativamente às forças motoras da globalização.

Por forma a abordar estas questões de uma forma clara, este trabalho será organizado em quatro partes: na primeira parte tentarei apresentar uma definição de globalização; na segunda, com base num aspecto específico da globalização, a estrutura das trocas comerciais internacionais, explorarei as forças motoras deste processo e o papel das corporações na forma como as relações internacionais se desenvolvem; na terceira parte, situarei as formas de actuação da maçonaria no “mundo profano” relativamente às forças motoras do processo de globalização; e por fim, face ao exposto anteriormente, concluirei apresentando sugestões quanto a novas formas de acção no “mundo profano”.

2. O que é a globalização?

Nos últimos dez anos o termo “globalização” deixou de fazer parte da terminologia exclusiva dos ensaios de economia e marketing e passou a ser usado correntemente nos media, tornando-se parte do vocabulário de conversação corrente.

No entanto, não é fácil apresentar uma definição clara do termo “globalização”, uma vez que engloba muitos aspectos diversos contendo significados diferentes. Como exemplo disto, dá-se o facto de praticamente todos os 2822 trabalhos académicos sobre a globalização realizados em 1998 apresentarem a sua própria definição, o mesmo acontecendo com os 589 livros publicados nesse ano (www.globalisationguide.org).

A globalização é comummente analisada como um fenómeno essencialmente económico, envolvendo a interacção, ou integração, crescente dos sistemas económicos nacionais através do crescimento das trocas comerciais internacionais, investimento, e fluxo de capitais. De acordo com Werner Antweiler (2002), a globalização é o processo pelo qual os factores nacionalidade e localização geográfica se tornam cada vez mais irrelevantes para as actividades económicas.

No entanto, pode também apontar-se o rápido crescimento dos intercâmbios tecnológicos, culturais e sociais como parte do fenómeno de globalização. É neste sentido que J. Correa identifica como os dois aspectos essenciais da globalização a tecnologia e a cultura, ambos afectando a competitividade de um país e a sua sociedade mas de formas diversas; é neste sentido também, que Ruud Lubbers define globalização como o processo pelo qual a distância geográfica se torna um factor cada vez menos importante no estabelecimento e manutenção de relações económicas, políticas e socioculturais entre países (http:/globalize.kub.nl/).

Os críticos da globalização definem o termo de uma forma significativamente diferente, apresentando-o como o movimento mundial no sentido de um sistema económico global dominado por corporações e instituições bancárias supranacionais, independentes de processos democráticos ou governos nacionais.

Historicamente, a globalização tomou a face moderna após o colapso da União Soviética e do comunismo como alternativa viável de organização económica. É portanto, inquestionavelmente, um processo capitalista.

3. As forças motoras da globalização

Neste capítulo, seguindo Stephen Krasner, servir-me-ei de um aspecto especifico da globalização, a estrutura das trocas comerciais internacionais, para explorar as forças motoras deste processo e o papel das corporações na forma como as relações internacionais se desenvolvem.

3.1. Trocas comerciais internacionais e o interesse dos estados

Stephen Krasner analisa a economia internacional na perspectiva das trocas comerciais internacionais, ou seja, do grau de abertura para o movimento de bens.
Assumindo que a estrutura do comércio internacional é determinada pelo poder e interesse dos estados na sua acção para maximizar os objectivos nacionais, Stephen Krasner começa por relacionar quatro interesses básicos – PIB, estabilidade social, poder político, e crescimento económico – com o grau de abertura para o movimento de bens, concluindo que “a relação entre estes interesses e o grau de abertura depende do potencial económico de um dado estado” – sendo o potencial económico função da dimensão relativa e do desenvolvimento económico desse estado.

Relativamente ao PIB, Stephen Krasner conclui que, independentemente do potencial económico, o nível do PIB é proporcional ao grau de abertura dos sistema de trocas internacional. Verifica, no entanto, que os benefícios económicos estáticos são inversamente relacionados com a dimensão.

No que diz respeito à estabilidade social, verifica-se que é inversamente proporcional ao grau de abertura, com maior impacto nos estados menores e relativamente menos desenvolvidos.

Quando se estuda a relação entre o poder político e o sistema de trocas internacional em termos dos custos de oportunidade associados a um sistema fechado (quanto maior o custo, mais fraca a posição política do estado), verifica-se que estados de maior dimensão e mais desenvolvidos veem o seu poder político aumentado através de um sistema com maior grau de abertura.

A relação entre crescimento económico e grau de abertura é menos directa. A experiência recente sugere que o crescimento económico em estados de pequena dimensão esta associada a um maior grau de abertura. No entanto, isto só será verdade em estados de maior dimensão na condição de estes manterem a primazia tecnológica.

3.2. Relação entre distribuições de potencial económico e abertura económica

Na secção anterior tornou-se clara a relação entre potencial económico (função da dimensão relativa e do nível de desenvolvimento económico) e as consequências, positivas ou negativas, do um maior grau de abertura económica. Nesta secção, estuda-se a relação entre distribuições especificas de potencial económico e a estrutura do sistema de trocas internacional (definido em termos da sua abertura), focando o caso do sistema hegemónico.

Segundo Stephen Krasner, no sistema hegemónico – aquele em que existe um estado maior e relativamente mais avançado que os seus parceiros comerciais – o estado hegemónico tem preferência por uma estrutura de trocas mais aberta. Este tipo de estrutura contribuirá para um maior PIB e crescimento económico na fase de expansão – a fase em que a sua dimensão e desenvolvimento tecnológico relativo estão a aumentar. No entanto, os benefícios da abertura não são simétricos para todos os membros dos sistema. Os estados mais pequenos deverão optar por um sistema mais aberto devido às vantagens em termos de PIB e crescimento, e porque o seu poder político é muito restrito, independentemente do tipo de acção que tomarem. Quanto aos estados de dimensão intermédia, a sua acção será mais difícil de prever, mas a potência hegemónica terá sempre instrumentos económicos e militares que pode usar para compelir outros a aceitarem o sistema de trocas mais aberto.

As conclusões para o sistema hegemónico e para outros tipos de sistemas encontram-se esquematicamente na Tabela 1 (Stephen Krasner).

Nível de desenvolvimento


Dimensão

 

 

Relativamente igual

Muito desigual

pequeno

grande

igual

Moderado-Alto

Baixo-Moderado

Alto

desigual

Moderado

Baixo

Moderado -Alto

Tabela 1. Probabilidade associada a uma estrutura do sistema de trocas comerciais
aberta em função da distribuição de potencial económico.

Por forma a suportar estas conclusões de um forma empírica, podem analisar-se as tendências históricas da estrutura das trocas comerciais em função da distribuição de potencial económico.

Relativamente ao potencial económico, a analise histórica revela que no período entre o inicio século XIX e a actualidade existiram duas potências hegemónicas na economia mundial, o Reino Unido (RU) e os Estado Unidos da América (EUA). O RU foi a potência hegemónica desde as guerras Napoleónicas até 1913. A sua posição no comércio internacional cresceu até 1880 e a partir daí entrou em fase descendente à medida em que os EUA se afirmavam em áreas de maior avanço tecnológico. A partir da primeira grande guerra os EUA tornaram-se a potência hegemónica.

Neste mesmo período, a analise da estrutura das trocas comerciais permite concluir que a hipótese do sistema hegemónico levar a um sistema de trocas comerciais mais aberto é parcialmente verificada – um acontecimento cataclismo parece ser necessário para alinhar a acção política dos estados com os seus interesses em termos da estrutura das trocar comerciais.

3.3. A relação entre o papel da tecnologia e os interesses das corporações

Os argumentos apresentados até ao momento são importantes para perceber o papel da tecnologia no desenvolvimento do sistema de trocas internacionais. O papel decisivo da potência económica na definição da estrutura do sistema de trocas foi estabelecido em 3.1 e 3.2. A potência hegemónica em ascensão tem preferência por um sistema aberto e terá sempre instrumentos económicos e militares que pode usar para compelir outros a aceitarem um sistema de trocas mais aberto.

Esta estrutura aumenta o poder político dos estados de maiores dimensões e economicamente mais desenvolvidos, permitindo-lhes usar a ameaça de alterar o sistema para assegurar objectivos económicos ou não-económicos. No entanto, a abertura para trocas de tecnologia contribui para a deterioração da vantagem tecnológica da potência hegemónica e do seu crescimento económico.

Conclui-se portanto que a vantagem tecnologia é um factor crucial para permitir à potência hegemónica manter a sua dominância e prosseguir no sentido de um sistema de trocas comerciais mais aberto.

Existe no entanto uma outra dimensão para o papel da tecnologia. Esta situa-se na esfera das corporações e na influência destas nas relações entre os estados e na natureza da diplomacia..

Susan Strange argumenta que muitas das alterações recentes na política e negócios a nível mundial tem raízes comuns e são o resultado, em larga parte, das mesmas mudanças estruturais que se observam na economia e sociedade a nível mundial. Em parte devido a estas mesmas mudanças estruturais, ocorreram alterações fundamentais na natureza da diplomacia: os governos tem agora que negociar não só com outros governos mas também com corporações. Estes argumentos levam ao estabelecimento das corporações como elemento estruturante da forma como as relações transnacionais se conduzem.

As forças comuns que Susan Strange identifica por detrás destas alterações são: o crescimento dos custos associados ao desenvolvimento tecnológico, que levam à necessidade de mercados globais e internacionalização da produção para amortizar os custos de desenvolvimento; a maior mobilidade de capitais, que tornam essa internacionalização possível; e as alterações na estrutura do conhecimento que tornam as comunicações transnacionais mais rápidas e baratas.

4. Globalização e actuação da maçonaria no “mundo profano”

No capítulo anterior, tornou-se claro que a margem de decisão do governo de uma nação não hegemónica relativamente à estrutura das trocas comerciais internacionais é muito restrita. Desta forma, observou-se ao longo da última década uma alteração no pensamento dominante dos governos, de uma situação de gestão e planeamento do comércio internacional para uma situação em que se atribui o controle as “forças de mercado” – que essencialmente correspondem aos interesses da potência hegemónica.

Embora a estrutura das trocas comerciais internacionais seja a face mais visível do fenómeno de restrição do campo acção de um governo, esta parece ser uma consequência natural em todas as áreas em que o processo de globalização se afirma.

Uma forma de re-alinhar a linha de acção de um governo com os interesses dos estados é a criação de blocos económicos de potencial económico próximo do da potência hegemónica. Dentro de um dado bloco, os interesses coincidentes das nações que o constituem serão, em principio, amplificados pelo potencial económico do bloco.

No entanto, a criação deste potencial económico pressupõem, como contrapartida, novas cedências de soberania e portanto maiores restrições do campo de acção do governo. Isso só será aceitável na medida em que os interesses do bloco correspondam aos interesses das nações que o constituam, ou seja, que não exista uma potência hegemónica dentro do bloco.

Concluímos portanto, que a perda de soberania – por cedência aos interesses de uma potência hegemónica ou como contrapartida à criação de um potencial económico supranacional alinhado com os interesses do estado – é uma consequência necessária ao processo de globalização.

As restrições ao campo de acção de um governo não podem deixar de ser acompanhada pela perda de influência dos cidadãos nos destinos da nação, mesmo que a perda de soberania se faça à custa da criação de um potencial económico supranacional onde os cidadãos estão representados.

Assim, um dos grande desafio da sociedade do século XXI parece ser o de encontrar formas de amplificar a influência dos cidadãos nos destinos da nação – para além da norma “1 pessoa, 1 voto” – e projectar esta influência a nível das relações internacionais.

Esta tem sido, precisamente, a lógica por detrás de organizações como a Amnistia Internacional ou o Green Peace. Estas, proclamando a defesa de determinados interesses fundadores (Direitos Humanos ou Ecologia), movimentam-se na arena internacional em igualdade com grandes corporações, e mesmo estados, na defesa desses interesses. A legitimidade das suas posições advém não só do número de membros que lhes dão corpo, mas também universalidade dos valores que defendem.

Essa deve ser a lógica da actuação da maçonaria no “mundo profano”; devera actuar, de uma forma evidente, na defesa dos valores universais que professa. Esse deve ser, para além da dimensão iniciática, o papel da maçonaria no século XXI.

5. Conclusão

Na capítulos que precederam esta conclusão, o papel da potência hegemónica e das grandes corporações na defesa de uma estrutura de trocas comerciais internacionais mais aberta e da criação de mercados transnacionais tornou-se evidente. Tornaram-se também claras as restrições que estes interesses impõem ao campo acção de um governo numa nação não hegemónica.

Estas conclusões serviram de base à defesa de organizações que reponham o equilíbrio em termos da influência dos cidadãos nos destinos da nação, e que permitam projectar esta influência a nível das relações internacionais. Neste sentido, a maçonaria tem uma grande oportunidade de afirmação no mundo profano; pela universalidade dos valores que professa; por envolver cidadãos do todas as origens, crenças e formações; e pela sua presença em quase todas as nações do mundo.

Embora a acção no mundo profano deva estar dissociada da vertente iniciática, ela devera ser bem visível. As formas que se prestam a esta tipo de actuação são uma ONG ou um “think-tank”. Esta última parece-me poder ser particularmente útil na situação portuguesa. O papel de um “think-tank” é o de fazer recomendações a um governo, permitindo-lhe tomar decisões esclarecidas. Um “think-tank” debruça-se sobre uma área especifica (telecomunicações, direitos humanos, transportes, etc…) mas não faz lobbying. A autoridade na área em que se especializa, assegurada pela colaboração dos indivíduos mais esclarecidas na área, é suficiente para tornar claro a um governo que as suas recomendações devem ser consideradas.

Essa parece-me ser a forma mais interessante e estruturada que a actuação da maçonaria no “mundo profano” pode tomar. Estudar questões de interesse nacional na perspectiva da defesa dos interesses dos cidadãos, integrar conhecimento e apresentar recomendações.

6. Bibliografia

Manuel Castells (1996) The Rise of the Network Society – The Information Age: Economy, Society and Culture. Oxford: Blackwell.

Philip R. Cateora and Pervez N. Ghauri (2000) International Marketing – European Edition, McGraw-Hill.

Stephen D. Krasner (1976) State Power and the Structure of International Trade – World Politics, vol.28, no.3, p317-347.

Susan Strange (1992) States, firms and diplomacy – International Affairs, vol.68, no.1, p1-15.

Saskia Sassen (1998) Globalization and its Discontents: New York, The New Press.

Samuel Huntington (1996) The Clash of Civilizations: New York, Simon and Schuster.

Tapscott, D. (1955), “The Digital Economy; Promise and Peril in the Age of Networked Intelligence”, Chapter2, New York, McGraw-Hill.

Vern Terpstra and Ravi Sarathy (0000), International Marketing, 7th Edition, The Dryden Press.

J. Correa (2002) Competitiveness, Privatization and Deregulation: http://www.fgvsp.br/academico/estudos/poi/docs/Jcorreal.doc.

Werner Antweiler (2002), International businesses and the impact of Globalisation/ APSC :
http://pacific.commerce.ubc.ca/antweiler/apsc450/slides.pdf