Para Hipócrates (460 a. C.) a fecundação, a criação do embrião, resulta da mistura das duas sementes , masculina e feminina, ejaculadas para o interior da matriz (ou útero), durante o coito. Contudo e ao longo da história da medicina ocidental, nem todos pensaram desta forma, pois a maioria atribuía à mulher um mero papel de receptáculo uterino.
Descartes foi dos poucos que defendia a ideia contrária, ou seja, corroborava a tese de Hipócrates, no sentido de que estes dois licores de modo nenhum precisam de ser muito diferentes, porque, como sucede com a (…) espuma de cerveja que chega para servir de fermento à outra cerveja, é de crer que as sementes dos dois sexos, misturando-se entre si, sirvam de fermento uma à outra.
Quanto à proveniência do licor masculino, já os primeiros gregos, tal como mais tarde o próprio Pitágoras bem como Platão, nos vêm dizer que a sede do espermatozóide fica no cérebro, descendo daí o esperma, através do canal da espinal-medula, até aos testículos quais simples reservatórios. Esta relação perdurou muito tempo, pois e devendo-o a Galeno, uma vez que segundo ele é nas artérias cefálicas que se produz o sémen, hoje chamamos às ramificações auriculares da artéria temporal, canais espermáticos.
Harvey, um médico inglês do séc. XVII disse: Como a faísca que salta do calhau ou o relâmpago que trespassa as nuvens e inflamam os corpos, também a fecundação é obra de um instante e uma espécie de contágio que se impregna no corpo feminino, sob o efeito da semente.
O que faz estas sementes crescer? Acreditava-se que seria pela força de um calor emanado pela presença mútua das duas. A carne do feto organiza-se progressivamente chamando a ela o sangue menstrual da mãe. Mas ainda assim permanece a dúvida, porquê, qual o momento de criação, qual o momento que promove o desenvolvimento deste processo de agregação e construção de um ser?
A resposta poderia ser algo como que uma vontade, ou uma ideia do útero feminino, que por meio de algo externo à carne, algo de um plano psíquico ou imaterial faz com que esta ideia ganhe uma energia criadora e multiplicadora. Ainda assim, a resposta não chega, e não chegará nunca, a resposta pelo menos. Pois uma resposta pretende ser uma explicação à medida da inteligência humana material, concreta, pelo que explicar ou concretizar o sopro divino em expressões inteligíveis não é tarefa do homem. Este é somente o veículo de expressão dessa mesma vontade.
O arcano da geração é, para o homem comum, apenas isso, algo de tão recôndito e profundo que não lhe está acessível. Sentimos o processo de criação a passar à frente dos nossos olhos, mas é só isso que vemos, a sua expressão, a sua face visível. Alguns de nós sabem que esse processo é um processo vivo, luminoso, quente, activo, e por isso excelso e merecedor de contemplação, e uma vez que dele fazemos parte provoca em nós um eco, um sentimento de pertença a uma matriz criadora.
Eco esse que deve acordar em nós a vontade interior de gerar, a vontade de soprar vida dentro de nós mesmos, a vontade de replicar o que só nos é dado a ver e admirar sem que para tal sejamos obrigados a conhecer a essência, só precisamos de ser voz ou canal desse calor flamejante que é o mistério da vida.
Chamo a atenção para um aspecto que pode passar despercebido mas que é fundamental, ao homem é dada a animação do seu corpo físico, e ele pode utilizar essa dádiva de duas maneiras, ou apenas deixa as suas pernas, a sua condição física guiar o seu corpo ou, por outro lado, olha para si mesmo, escuta-se a si mesmo, volta-se para dentro de si mesmo e decide participar na criação da sua vida, pois a dádiva contempla esta oportunidade absolutamente incrível e única, a oportunidade de construir um ser conscientemente! O nosso próprio Ser, porque afinal, é com ele com quem nos deitamos todas as noites, e é com ele que acordamos todos os dias para o conduzir a mais um conjunto de vivências que irão condicionar outras tantas.
Segundo o Talmud, o mistério da vida resulta da associação de três entidades, Deus, o pai e a mãe.
O pai dá o branco dos ossos, dos tendões, das unhas, da massa encefálica e o branco dos olhos. A mãe dá o vermelho que gera a pele e a carne, os cabelos e o negro dos olhos. Por fim, Deus dá a vida e a alma, a tez, a visão, a inteligência e a consciência. Quando o homem morre, Deus retira-lhe aquilo com que participou na sociedade.
A relação das forças é clara o suficiente para perceber o papel que nos está destinado, tal como dito atrás, sem a participação de uma terceira parte, o homem é carne sem vida, é casa sem morador, é terra sem verde, é sangue sem fluxo, pelo que só depende de nós a constância, a velocidade e a energia desse mesmo fluxo, proporcionando ao mesmo um caminho seguro e fluido para que ele chegue a todo o lado, para que impregne todos os mais ressequidos cantos do corpo, para que nada fique por humedecer, por alimentar, pelo menos enquanto for este o meu corpo.
Frederico C.’.
A.’.M.’., G.·.L.·.R.·.P.·.., Lisboa – Portugal