OS NÚMEROS SINTÉTICOS
Os pitagóricos ensinavam que a díade era gerada mediante um processo de cisão, ou diferenciação, da Unidade; um processo que, no pensamento moderno, pode ser comparado ao de divisão celular ou até à fissão nuclear. Na Cabala, dois é o Sefirot Chokmah (a sabedoria) e é um principio feminino. Nos monumentos sagrados do antigo Egito duas colunas principais, representando respectivamente os Reinos do Norte e do Sul, simbolizavam a estabilidade política e espiritual de toda a nação. O Rei Salomão mandou que o arquiteto Hiram Abiff erguesse duas colunas de bronze (Jakim e Boaz) diante do templo de Jerusalém. Na tradição maçônica a unificação dessas duas colunas, que sempre aparecem nas lojas, é símbolo de solidez . O três representa a síntese entre a mônade e a díade: se assiste assim à manifestação (ou epifania) da mônade no mundo superficial em forma de trindade, entidade sagrada cuja perfeição torna-se ainda mais evidente no momento em que ela é representada em forma de um triângulo equilátero. Os Celtas representavam a divindade mediante três raios correspondentes a três sons pronunciados simultaneamente e toda a filosofia daquele antigo povo podia ser resumida em três séries de 3 x 3 x 3 tríades chamadas Tríades dos Bardos. Essencialmente, em todas as religiões do mundo as energias formadoras do universo atuam em conjunto de três e, obviamente, os “três pontos” maçônicos tiveram origem nessa cosmogonia numeral. As partículas elementares contidas no núcleo atômico, próton e nêutron, são, por sua vez, compostas por três quarks.
Enquanto o três só pode ser logrado somando a mônade com a díade, os números 4, 6, 8 e 9 podem ser obtidos por multiplicação e por isso são chamados de números sintéticos.
O quatro era considerado um número perfeito não apenas pelo fato de ser o último número da tetraktys e simbolizar o tetraedro, mas principalmente por ser ele um quadrado algébrico (2 x 2). O quatro é também o único número da década a ser um número sintético e, ao mesmo tempo, fator de outro número da década (2 x 4 = 8). Pitágoras distinguia quatro aspectos do espírito: Hile, Psique, Nous e Agaton, e a Cabala descreve quatro mundos nos quais se inscrevem os dez Sefirot: o mundo da emanação, o da criação, o da formação e o da ação. Na Física as leis que governam completamente a interação eletromagnética são contidas nas quatro equações de Maxwell. O DNA é formado pela repetição de quatro nucleotídeos (guanina, adenina, timina e citosina).
O seis resulta da multiplicação da díade (princípio feminino) com a tríade (princípio masculino) e, por tal motivo, era o número consagrado a Afrodite (deusa do amor) e o símbolo da vida orgânica. Nesse sentido constatamos uma coincidência surpreendente com o carbono (número atômico = 6), único elemento cujas características químicas permitem a existência da vida orgânica no universo. Os pitagóricos dividiam os números em três categorias: os números elípticos (menores que a soma de seus divisores), os números hiperbólicos (maiores que a soma dos divisores) e os números matematicamente perfeitos iguais à soma de seus divisores. O seis não só é perfeito nesse sentido (1 + 2 + 3 = 1 x 2 x 3), mas é o único número cujos fatores são números consecutivos. O seis é geralmente simbolizado pelo “Selo de Salomão”, que é um dos símbolos mais conhecidos do esoterismo.
O terceiro número da década que é obtido mediante multiplicação é o oito. Sendo um número cúbico (2 x 2 x 2) era considerado perfeito mesmo sendo par, pois os números cúbicos crescem conservando a regularidade da forma. Na cosmogonia chinesa o mundo é criado e regido por oito trigramas fundamentais dispostos simetricamente em volta de um Taijitu, uma díade simbolizando a união dos princípios antagônicos yin e yang. Na doutrina dos antigos Druidas o iniciado tinha que passar por oito estados de consciência antes de chegar à libertação espiritual . Observamos enfim que a maioria dos batistérios tem planta octogonal e que o oito em posição horizontal é encontrado na Corda Maçônica.
Quanto ao nove, sendo ele o quadrado de um número perfeito é duplamente perfeito. Na Maçonaria o nove tem uma importância peculiar na determinação das idades iniciáticas dos vários graus do Rito Escocês como, por exemplo, na lenda da morte e ressurreição de Hiram Abiff. Isso se justifica se consideramos que o nove é o primeiro número quadrado ímpar e que ele pode ser dividido em três tríades que, por sua vez, se dividem em três Unidades. Na mitologia clássica, nove são as Musas, filhas de Zeus e Mnemósine. De acordo com Aristóteles, todas as criaturas espirituais são divididas em três principados, cada qual composto de três ordens. Portanto o conceito cristão dos nove céus não pertence unicamente à tradição judaica, e sim à concepção metafísica pagã e, mais precisamente, àquela pitagórica.
Observamos que os quatro números sintéticos (4, 6, 8, 9) formam, por sua vez, uma nova tetraktys cuja soma dá como resultado 27, isto é o cubo de três. Então, também o 27 deve ser um número perfeito. Quanto aos números cinco e sete, eles serão tratados posteriormente.
O nove é o último dos números monádicos, ou seja composto de um só dígito, e como tal encerra a série dos números pitagóricos, sendo o dez a nova Unidade. Por essa razão o pitagórico Nicômaco de Gerasa afirmava: “O número dez é o mais perfeito dos números possíveis… A década é o Todo pois ela serviu de medida para o Todo, como um esquadro e um nível nas mãos do Ordenador”.
O dez é o quarto número triangular, símbolo da tetraktys pitagórica: enquanto os quatro primeiros números são o resumo final de toda a cosmologia numeral, o dez simboliza o retorno à Unidade depois de um ciclo completo de criação. Para Dante Alighieri o décimo céu é o empíreo, ou esfera do fogo, onde se encontra a Cidade Santa. Mas enquanto os nove céus inferiores são animados de moto rotatório que transmite ao cosmo a fluência do tempo, o décimo permanece imóvel, num eterno presente sem passado nem futuro. Para Pitágoras o cosmo era envolvido pela esfera do tempo, ou periekon, e Arquitas afirmava que além do periekon existia uma esfera caracterizada por um tipo diferente de tempo que ele chamava de tempo psíquico. Na Divina Comédia, Dante mostra como, passando da consciência humana à consciência divina (localizada no décimo céu) se torna possível a conexão entre o tempo físico e o tempo psíquico. Nesse tempo psíquico o princípio e o fim se reúnem garantindo assim a solução do problema da mortalidade física dos seres humanos.
Ninguém sabe exatamente o que existe além dos extremos limites do universo, mas a cosmologia moderna nos oferece uma visão extremamente sugestiva. Cerca de 13,8 bilhões de anos atrás, uma explosão primordial (Big Bang) deu origem não apenas ao mundo material como também ao cenário onde o cosmo está mergulhado, os seja o espaço-tempo. Desde o instante inicial do Big Bang o espaço-tempo tem se propagado com a velocidade da luz uniformemente em todas as direções fazendo com que o universo ocupe agora um volume imenso, mas limitado, embora ainda em expansão. É claro, então, que além dos limites do universo sempre se encontrará algo de indefinível, mas que não é espaço vazio, pois o espaço-tempo ainda não chegou lá. Nessa região, que envolve totalmente o cosmo, o tempo não transcorre porque lá ele não existe. Assim, a visão cosmológica dos antigos pitagóricos apresenta, pelo menos na questão do tempo, uma considerável analogia com a estrutura do universo proposta pelos cientistas modernos.
Prof. Dr. Alberto Malanca
Parma, Itália
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