O SIMBOLISMO DA CADEIA DE UNIÃO

Há, em Magia, palavras de pronunciação perigosa; há também ritos maçónicos aos quais será melhor não nos associarmos quando não temos plena consciência do seu poder oculto. O tema da “Cadeia de União” é um desses que, apesar da sua aparente simplicidade, encarna uma das figuras mais complexas do Ritual, no sentido em que implica “entrelaçamentos secretos” que ultrapassam largamente a simples ideia de União no sentido simbólico. Do mesmo modo que, no plano físico, ao pretender estudar a qualidade de uma corrente metálica, o engenheiro terá que se preocupar com o número dos seus anéis, o seu encadeamento, o metal que os compõe, a sua secção e curvatura, para se entrar no sentido profundo da nossa “Cadeia de União”, é necessária uma apropriação dos seus componentes, para os integrar numa síntese simbólica irrefutável.

Os principais elementos de que nos ocuparemos serão, assim:
· O círculo que forma a Cadeia, obrigatoriamente fechado.
· A polaridade, posta em evidência pelo cruzamento dos braços.
· O terceiro seria a mão, de que não me ocuparei aqui, e que detém um papel activo na formação da Cadeia.

Mas antes de mais convém rememorar o facto de que o rito da “Cadeia de União” é a dinamização, a tomada de acção do princípio sugerido pela corda que serpenteia nos 3 lados da Loja, ligando a coluna J à coluna B, sem contudo as unir. Torna-se, assim, indispensável compreender, à partida, a mensagem muda dessa corda de nós abertos, nas suas relações com o conceito arcaico de “laço”, de serpente protectora, do nó cerrado que se torna lasso e enfim das suas borlas terminais: teremos assim sondado em profundidade o valor e a força de um “rito constrangedor, que envolve o indivíduo e a colectividade”. Desta forma, se a simbólica da corda se assemelha ao da serpente que, fechada sobre si própria, com a cauda na boca, transmite a Luz e encarna o Sol; de corpo esticado e cabeça pendente, toma o papel do ceptro mágico egípcio, arquétipo da iniciação libertadora – patente na simbólica da serpente do Eden. Os nós lassos indicam um sentido evolutivo: a divindade ligante é vencida pelo Conhecimento; a coacção dogmática não consegue já fechar a sua rede.

Mas o iniciado, promovido ao posto de herói, se for bom entendedor da Arte, aceitará e submeter-se-à voluntariamente às regras tradicionais da Ordem a que, de livre vontade, pediu adesão. Ele possui a liberdade do Maçon livre, numa Loja livre, mas conhece o relativismo da Liberdade. Sentirá honra em fazer respeitar os princípios adoptados pela maioria, e também em os fazer cumprir, junto dos seus pares. O laço do Amor é a imagem da Solidariedade. Esta imagem é espantosamente explicitada pelo nó Isíaco, análogo à “lemniscata” do primeiro arcano do Tarot, signo expressivo do movimento contínuo, dos “circulus vitae”, da interacção constante das radiações, do movimento perpétuo, tanto da matéria como das galáxias. A Matemática adoptou-o como signo do infinito. Na boa tradição do Rito Escocês, simbolizando em parte a separação do neófito relativamente à sua Mãe, em cujo útero se encontrou, previamente, em reflexão, e de onde saiu com uma corda ao pescoço – vestígios do seu cordão umbilical agora quebrado – o neófito é colocado no centro da Cadeia de União, que forma um círculo à sua volta – verdadeira Cadeia de defesa – porque de cada vez que, na magia e nas artes, se encontra uma corda em torno de qualquer coisa, há uma intenção de defesa da coisa circunscrita e de a separar de todas as influencias exteriores (e não deriva a palavra Templo do verbo grego “separar”).

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É a razão pela qual o rito da “Cadeia de União” consiste na formação de um anel completo, enquanto que a sua homóloga – a corda denteada que contorna parcialmente o Templo – não constitui um círculo fechado, quedando-se, de um lado, na coluna B, e do outro, na coluna J. De facto, as colunas não precisam de estar ligadas por uma corda para fechar o círculo. O círculo é o Universo, o Infinito, como a Loja se estende a todas as direcções, do Nascente ao Poente, do Norte ao Sul, do Zénite ao Nadir. No seu trabalho sobre o Deus ligante e a simbólica dos nós, Mircea Eliade diz-nos que “o cosmos é em si mesmo concebido como um tecido, como uma enorme rede”. É também significante a utilização de nós, cordéis e anéis nos rituais nupciais. De entre os símbolos mais expressivos que se nos oferecem à meditação, figura o “Ouroboros”, a serpente que, ao morder a cauda, forma um círculo.

Ora a serpente leva-nos imediatamente a pensar na da Génese, Shaton, que tentou Eva, sugerindo-lhe que comesse o fruto proibido. O primeiro casal vivia no Jardim do Éden, alimentando-se de frutos que cresciam espontaneamente. Neste casal não havia desejo. Foi portanto a serpente que o despertou, e com ele o Amor. A serpente foi o primeiro Iniciador e não o vil tentador astuto e desonesto que a exégese religiosa nos apresenta, maldito pelo Criador. Deveria assim ser glorificada pela Humanidade. A tentação de Eva não se deve à sua maior fragilidade, mas sobretudo à sua grande sensibilidade e receptividade, à sua imaginação intuitiva. Adão, cujo nome significa “terra ou barro vermelho”, era um sujeito mais racional, mais “pesado”, mais tímido, talvez. É porque a nossa “mãe” – Eva – escutou a serpente, que a Humanidade entrou na via do Conhecimento, encetou o seu processo de emancipação, de evolução. Nos templos gregos via-se frequentemente a figuração do Ouroboros. Simbolizava a vida em geral, no que ela tem de indestrutível e de eterno, pelo seu eterno recomeço. Nas procissões dos Mistérios de Eleusis, as cesteiras ligavam romãs (símbolo da solidariedade e da fraternidade), espigas de trigo (mito gregário da regeneração) e uma serpente, imagem da vida regenerada. (sobre o mito da serpente, aconselha-se a leitura do conto esotérico “A Serpente Verde”, do nosso Ir.’. Goethe).

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No Templo, como referido, a corda denteada contorna apenas em três lados o painel de Loja. Esta deve, de facto, manter-se em contacto com o mundo exterior: não se abrem 3 janelas da câmara de Comp.’.- Mas no quarto lado, o do Ocidente, nenhum ser, nenhum espírito se pode introduzir, porque a energia contida entre as duas colunas de polaridade contrária forma uma barreira intransponível para os não iniciados. Estes encontrariam aí, de qualquer modo, sob os seus passos, o pavimento mosaico, em que inadvertidamente tropeçariam. Na “Cadeia de União” é um magnetismo dinâmico que se vai desenvolver, pelo facto de se constituir de seres vivos. Nas sessões brancas (adopção, reconhecimento conjugal, etc.), a cadeia forma-se segundo uma roda infantil, de mãos dadas, em que toda a ideia metafísica e esotérica é excluída: trata-se apenas de um testemunho de amizade e de união. Mas na cadeia ritual, em que os braços cruzados ligam a mão direita com a mão esquerda, desenvolve-se uma força magnética. Em 1932 (e.’. v.’.), Jacqueline Chantereine e o Dr. Camille Savoire, detectaram no interior e em torno do organismo humano, movimentos turbilhónicos e ondulatórios. Estes últimos são produzidos, para além de causas patológicas, por energias radiantes provenientes de tudo o que nos envolve: acção cósmica, por um lado, essencialmente proveniente da energia solar, à qual se junta a da Lua e dos restantes astros. A resultante destas acções energéticas traduz-se sob a forma de um turbilhão que penetra pelo lobo anterior da hipófise, para terminar no dedo grande do pé direito.

Uma outra fonte, não menos importante, é a força energética, dita “telúrica”, que se manifesta sob a forma de uma corrente inversa da precedente, e portanto ascendente, penetrando pelo dedo pequeno do pé esquerdo, para se escapar pelo topo do crânio, contornando a precedente para formar uma figura semelhante ao “Caduceu” (o Caduceu é uma vara de louro de oliveira, com duas serpentes enroladas em sentido inverso, que era atributo de Mercúrio, e símbolo da polaridade e da paz). Estas duas serpentes entrelaçadas, transformam-se nos “laços de Amor” da corda denteada. Daqui a analogia com a Cadeia de União, em que o braço direito, positivo, passa por cima do esquerdo, negativo, para contactar com a mão esquerda do vizinho, formando uma cadeia de “pilhas em tensão”, em que se reúne o eléctrodo positivo de cada um dos elementos ao eléctrodo negativo do seguinte, por forma a que a força electromotriz resultante seja “n” vezes superior à de um só elemento. Isto não é uma imagem, é uma realidade, que desenvolverá ao máximo a agregação das forças psíquicas da Loja, dirigidas para um mesmo objectivo.

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Individualmente somos fracos, isolados e falíveis. Quando o Ven.’. M.’., antes do encerramento dos trabalhos, evoca a união de todos os Maçons, quando as nossas mãos (nuas, sem luvas, para que a corrente circule) se juntam numa verdadeira Cadeia de União, parece que um sopro mágico se introduz no Templo. Logo que a Cadeia se forma, o movimento ascendente e descendente dos braços, três vezes repetido, lembra simbolicamente o ondular da serpente cósmica, de que a Cadeia é uma imagem energética. A quebra da Cadeia deverá ser lenta e suave, para que a força de cada um se estabilize no seu circuito fechado. A Cadeia de União é, assim, a simbólica solar posta em acção, na sua expressão mítica. Precedida por uma pequena invocação, proferida pelo Ven.’. M.’., no sentido das preocupações e aspirações gerais e particulares da Loja, da Obediência e da Humanidade, a Cadeia de União é o corolário obrigatório das sessões de trabalho em Loja.

Lisboa, 8 de Maio de 2002 (e.’.v.’.)

Luis Conceição
M.·. M.·. – R.·. L.·. Convergência, n.º 501, a Oriente de Lisboa, G.·. O.·.. L.·..