OS MAÇONS E A MAÇONARIA – HUMANISMO E GLOBALIZAÇÃO

Ao longo destas quase duas décadas decorridas sobre a minha Iniciação, e que se seguiram a outras quase duas décadas de aproximação aos valores do Humanismo, da Liberdade de Pensamento e de uma crescente consciência social e de cidadania, tenho vindo a sedimentar alguns valores, alguns princípios que, na minha modesta opinião, são fundamento, fundação e significado do facto de se ser Franco-Maçon.

Ser-se Maçon, significa, antes de tudo, ser-se reconhecido como tal pelos restantes Maçons. Não se trata de um atributo a que se acede com “cunhas”, pelo pagamento de cotas ou pela assinatura livre de uma condição. Não é o mesmo que se ser sócio de um clube ou membro de uma associação. Para se ser Maçon, é condição sinequa non, o ser-se reconhecido inter-paris.

O processo que conduz à possibilidade de o ser, passa por uma série de provações – os contactos, as sindicâncias, os interrogatórios, a exposição nos “passos perdidos” – e por um acto iniciático. Este, começa por assentar numa descida ao limbo, ao útero, à escuridão primordial, como uma semente que passa a germinar no silêncio e nas trevas do subsolo, seguindo-se-lhe uma gradual ascensão, por acção dos restantes elementos tradicionais – a água, o ar e o fogo -, os pais, os companheiros e o amigo, no sentido da LUZ. O dar a Luz ou vir à Luz, é apenas o início de algo, que o porvir irá ou não determinar. Quantas sementes lançamos à terra e nela apodrecem sem ver a Luz. Quantas germinam, para logo padecer às agruras do clima, sem nunca virem a frutificar.

Vejamos. A verdadeira iniciação não é o momento da “tomada da Luz” nem o da aclamação pelos Irmãos presentes, que representam ali todos os Irmãos Maçons do Universo. A verdadeira Iniciação, estou em crer, é toda a vida futura após aquele momento iniciático. Por mais que pareça ser um lugar comum, continuo a acreditar e a afirmar que serei sempre um eterno Aprendiz! A Iniciação, leia-se, ignição, é apenas a abertura, o prelúdio de todo um devir iniciático, que envolve um solene e profundo acto de responsabilização perante todos os outros, os presentes, os ausentes, os antecessores e aqueles que nos virão a suceder. Assumimos, nesse momento mágico, a responsabilidade de trabalhar, com preserverança e entrega totais, no sentido do nosso aperfeiçoamento espiritual: o tal trabalho simbólico sobre a pedra bruta.

É em Loja que nos entregamos a esse Trabalho. É a Loja que nos guia, nos acolhe, nos incita, nos transmite os hábitos, a técnicas, os preceitos e fundamentos teóricos da ARTE. Essa transmissão é-nos feita ou dada através do método que a Tradição nos ensinou: o RITUAL. É na sistemática e repetida prática do Ritual que interiorizamos e nos confrontamos com a simbólica, os valores e os signos que conformam a Arte Real. A Abertura dos Trabalhos, a Cadeia de União e o Encerramento dos Trabalhos, juntamente com a decoração do Templo, contêm em si mesmas, em qualquer dos três Graus Simbólicos, em qualquer Rito, todo o acervo de informação de que o Aprendiz precisa para prosseguir o seu infindável processo de Iniciação. Podem e devem ser debatidas pranchas simbólicas e filosóficas no período da Ordem do Dia, debater-se questões administrativas, profanas ou conjunturais na Palavra a Bem da Ordem, mas é na prática efectiva do Ritual que se centra o trabalho sobre a pedra bruta, ou seja, o verdadeiro trabalho maçónico.

Perdoem-me a analogia de cordel, mas tendo a crer que a Loja é como um meio de transporte (chamemos-lhe autocarro), que pára em diversas estações, transportando passageiros de diversas origens para diversos destinos, segundo regras comummente aceites e por todos partilhadas. Em linguagem profana coeva diria que cada um desses autocarros, desenhados segundo determinado modelo (Rito), preparados para determinados tipos de viagem (Rito), e conduzidos por uma determinada tripulação (Luzes), por razões logísticas e culturais faz parte de uma frota (Obediência) que, conjuntamente com a globalidade das frotas (Obediências) conforma aquilo a que chamamos um sistema de transportes (a Maçonaria Universal). Todas assentam nos mesmos objectivos, todas procuram participar na construção de um Mundo mais humano, mais livre, mais fraterno, mais justo, mais ilustrado.

(Algumas frotas, contudo, só transportam passageiros de um determinado sexo, outras de determinada cor, outras procuram transportar o maior número possível de passageiros, outras, ainda, dão preferência a determinados credos ou oferecem e exigem tipos diferenciados de serviço. Trata-se de uma outra Pedra Bruta a trabalhar, conjuntamente, por todos os Pedreiros verdadeiramente Livres e de bons costumes. Estou plenamente convencido que lá chegaremos, mais cedo ou mais tarde. Como é óbvio, a Obra está longe de estar concluída!).

Não acredito na existência de um “novo Humanismo”. O Humanismo foi, é e será sempre o mesmo objectivo a atingir e assenta redondamente no nosso sistema de valores. Os meios e sistemas de organização política e social ao nosso alcance em cada momento histórico, geográfico e cultural é que poderão variar, mas o conceito de Humanismo será sempre o mesmo: a liberdade de opinião, a liberdade de escolha, o respeito do Homem pelo seu semelhante e pela Natureza, o respeito pela opinião e pela diferença, o sentimento de cooperação e de interajuda, a noção cada vez mais presente de que habitamos todos sob um mesmo tecto, vão-se construindo, à medida que a História e a Ciência nos desvelam o mundo nas suas diversas dimensões. O Homem foi, é e será sempre, uma espécie em construção, sob pena da sua total diluição no abismo da amnésia cósmica.

O mundo actual revela-nos a globalização, a generalização da informação, a possibilidade de um sistemático estado heterotópico no habitar, no ser, no existir. Alguns de nós somos meros transeuntes apressados num mundo virtual (telemóveis, aeroportos, supermercados, fast-food, televisão, Internet, etc.), outros, optámos por ser viajantes atentos de um mundo real – não dispenso ir à janela do meu quarto, quando acordo ou chego a casa; de confraternizar à mesa, com amigos ou familiares, com frequência, ou de sistematicamente participar nas sessões da minha Loja, não faltando nunca ao ágape que se lhes segue, com os meus Irmãos.

Houve um tempo em que, transgredir – condição única para o progresso -, significava, como em Lewis Carroll, passar para o outro lado do espelho. Hoje, a grande maioria da população urbana dita civilizada vive do outro lado do espelho, na net, nos programas de televisão, nos espaços virtuais que o mundo contemporâneo tem vindo a engendrar em catadupa. Estou convencido de que transgredir, hoje – atitude revolucionária como sempre -, significa manter a lucidez suficiente para ver, olhar, sentir, ouvir, tocar, degustar, cheirar tudo aquilo que é sensível e real, nos envolve e enriquece, nos faz pensar e agir, conjuntamente com pessoas reais (Cadeia de União), em práticas objectivas e materiais (o Ritual) que nos transportem para o onírico mundo dos afectos, dos saberes e dos sabores, que nos devolvam os reais prazeres do corpo e da mente, em equilíbrio, numa consciente e profícua atitude de actuação e mudança: como poderei eu sentir-me bem comigo mesmo se tenho consciência do sofrimento e da dor dos meus Irmãos? Sendo que estes são, no sentido lato, toda a Humanidade Sofredora que me antecedeu, me acompanha e me sucederá através do tempo e do espaço.

Assim, em jeito de remate, gostaria de vos dizer, meus Irmãos, do mais fundo das minhas convicções e saberes, que o papel dos Franco-Maçons e da Maçonaria na construção do Humanismo, na consumação dos Valores, dos quais destaco como mais importante de todos o da Felicidade Universal, é o do persistente, sistemático e consciente trabalho sobre a pedra bruta que cada um de nós é, através de um profícuo trabalho Ritual em Loja, para que, nos diversos momentos e sítios em que somos, vivemos e actuamos, possamos contribuir serena e seguramente para a construção colectiva do Templo do Homem.


Luis C.’.

M.’.M.’., R.’.L.’. de S. João Convergência, GOL