TRABALHOS DE APRENDIZ: AS VIAGENS DO APRENDIZ


Toda possibilidade de progresso, tanto interior como exterior, baseia-se no reconhecimento de um caminho como algo que está diante de nós, e no discernimento de uma determinada direção, rumo a uma meta que percebemos com maior ou menor clareza.

Nossos pés físicos, assim como nossos pensamentos, que de uma maneira análoga, passo a passo, parecem dirigir-se em certo sentido, marcham precisamente de forma espontânea e automática, naquela exata direção na qual se fixa nosso olhar, ou melhor, nossa visão interior. Se nosso olhar e nossa visão se fixam em algum obstáculo, dificuldade, contrariedade e condição indesejável, no temor ou pressentimento de algo desagradável, não devemos pois, estranhar se formos dar direta e precisamente nesse obstáculo, ou, no objeto de nossos temores.

O mesmo sucede com nossa marcha intelectual em direção à Verdade e com a marcha moral rumo a um ideal de perfeição, que se revela sempre com maior clareza conforme avançamos na senda que deve conduzir-nos à sua realização. A essa mesma Lei obedecem nossos esforços dirigidos para um particular objetivo, para o qual tendem e no qual se concentram nossos desejos e aspirações: a marcha é mais fácil, rápida e direta conforme aprendemos a concentrar nesse objeto as melhores energias de nosso pensamento e, sobretudo, a contemplá-lo, vê-lo e discerni-lo com perfeita clareza. A concentração de nossas energias interiores em direção a uma meta determinada é, em todo caso, a base indispensável de todo esforço que possamos fazer e de todo passo que possamos dar nessa direção. A cerimônia de recepção do candidato no primeiro grau, consiste essencialmente de três viagens que sintetizam admiravelmente todo seu progresso maçônico nos três graus. Cada viagem representa assim um novo estado, um período diferente e uma nova etapa de seu progresso.

A PRIMEIRA VIAGEM
A primeira viagem apresenta-se cheia de dificuldades, de ardis e perigos, e completa-se em meio aos ruídos mais fortes e variados, que representam o desencadeamento das tempestades e dos ventos, símbolos das falsas crenças, opiniões e correntes contrárias do mundo, como as que temos que enfrentar. É a prova do ar das antigas iniciações, como é demonstrado pela purificação pelo ar que coroa esta viagem. A direção desta viagem, como das sucessivas, é aquela que é indicada silenciosamente pelo guia invisível que o conduz, e que ele tem de seguir com docilidade e confiança. Essa docilidade (palavra derivada de docere, “ensinar”, que por sua vez tem evidente analogia com ducere, “conduzir”), é a que o faz receptivo e o coloca em condições de aprender. No que diz respeito ao guia, representa, como já dissemos, o sentido íntimo, do justo, do bom e do verdadeiro, pois é o guia invisível e silencioso de todo homem, o único que pode realmente conduzir-nos pelo caminho do progresso.

Essa direção é de Ocidente a Oriente pelo lado do Norte. O que significam estes pontos cardeais? Aqui abrangemos uma das fases mais profundas e instrutivas do segredo maçônico: da mística doutrina que se esconde e se revela em seu simbolismo.

DO OCIDENTE AO ORIENTE
O Ocidente é o lado ou aspecto do mundo aonde o Sol se põe, isto é, onde a luz que o ilumina declina, se oculta e se torna invisível ainda que faça entrever sua presença, no último resplandecer do ocaso, antes de deixar o mundo submergido nas escuras trevas da noite. É portanto, uma imagem muito expressiva do mundo sensível, da realidade visível que constitui o aspecto material, fenômeno ou objetivo do Universo, no qual a verdadeira luz que o ilumina, a Essência ou Realidade invisível que o suporta, ocultou-se na aparência, sob o velame comparativamente ilusório de sua realidade exterior.

O Real não é o que aparece, senão o que se esconde e revela atrás da aparência. Reconhecer essa Realidade constitui a substância de toda a iniciação, que consiste essencialmente em ingressar em sua percepção intuitiva, em adquirir consciência da mesma com um progressivo e sempre mais perfeito discernimento entre o que é e o que parece. É a Doutrina Iniciática de todos os tempos: a Realidade se oculta na aparência, na qual se acha, como Isis, velada e revelada, desvelando-se unicamente para o iniciado que tenha chegado individualmente, por seus próprios esforços, ao estado de consciência em que se torna manifesta sua natureza essencial. Como a dedução não é geralmente mais difícil que a indução, o caminho de regresso não está menos semeado de obstáculos e dificuldades. Entretanto, a certeza já adquirida em sua passagem pelo Oriente, permite-lhe enfrentar com mais serenidade as crenças, opiniões e preconceitos do mundo, que já não tem poder para fazê-lo desviar-se do seu caminho. Esta é a purificação pelo ar que deve sofrer ao chegar ao término desta primeira viagem, próximo ao altar do 2° Vigilante.

Também simboliza esta viagem as provas da vida que temos de enfrentar constantemente em seus primeiros esforços desde o material até o Ideal, dominando seus instintos, paixões e desejos, assim como as circunstâncias contrárias que o confrontam, por meio do discernimento da realidade profunda da vida e do íntimo propósito de todas suas experiências, buscando a Verdade e servindo-se da mesma como remédio para todos seus males, conforme ensina Pitágoras em seus Versos Áureos: “Mas existe uma estirpe divina entre os mortais, Da qual se chegares a ser partícipe, Conhecerás as coisas que te ensino, E servindo-lhe delas como remédio, Do muitos males, farás livre tua alma!”.

A SEGUNDA VIAGEM
A segunda viagem diferencia-se da primeira por sua maior facilidade: desapareceram os obstáculos, e os ruídos violentos deixaram seu lugar ao tinido argênteo das espadas que os presentes fazem entrechocar. Esta maior facilidade é conseqüência direta dos esforços feitos na primeira viagem. À medida em que aprendemos a superar os obstáculos que se encontram em nosso caminho, estes progressivamente desaparecem, pois já não tem razão de existir, uma vez desenvolvida em nós a capacidade de superá-los, com as qualidades que nos faltavam. O choque das espadas é o emblema das lutas que travam ao redor do candidato, assim como da luta individual que ele deve empreender com suas próprias paixões, pensamentos, hábitos e tendências negativas: todo pensamento deve ser retificado, todo erro resolvido e convertido em Verdade. Indica sobretudo a negação do erro (ainda que tenha a força da aparente evidência exterior), na luz da Superior Realidade, da qual tem-se percebido os primeiros vislumbres.

A segunda viagem pretende relacionar-se com esta hora de incessante transmutação, com esta progressiva catarse da palavra inferior, que requer uma constante atenção e vigilância, que representa simbolicamente a prova da água, isto é, aquela espécie de batismo filosófico que consiste em limpar ou libertar a alma de seus erros, vícios e imperfeições que constituem a raiz ou causa interior de todo mal ou dificuldade exterior.

A primeira viagem representa os primeiros esforços na busca da luz ou da Verdade, os primeiros passos desde as sobras da Ilusão em direção à Realidade íntima e profunda que é a Essência, a Substância e a Base imanente de tudo. Também representa, em seu regresso, o esforço individual que cada um deve fazer para caminhar e processar sua vida em harmonia com seus Ideais e com suas aspirações mais elevadas, deixando de seguir passivamente a rotina de seus hábitos, instintos e tendências negativas.

Como complemento destes primeiros esforços, a segunda viagem indica a perseverança nesta obra metódica de purificação da alma, que a fará digna de receber ou abri-se às suas mais elevadas possibilidades, o batismo da água, ou seja a negação do negativo (sendo a água o elemento negativo por excelência) que deve preceder ao batismo do fogo, ou do espírito, ou seja à afirmação do positivo que levará consigo um perfeito estabelecimento da Verdade. A purificação pela água, com a qual é concluída esta segunda viagem é essencialmente uma purificação da imaginação e da mente, de seus erros e de seus defeitos, constituindo uma fase importante daquela Grande Obra de redenção e regeneração individual que a iniciação maçônica nos mostra com seu particular simbolismo.


A TERCEIRA VIAGEM

Representando a segunda viagem principalmente a virtude negativa, que consiste em purificar a alma de suas paixões, erros e defeitos, mais do que um objetivo para cada um, constitui a necessária preparação para a etapa sucessiva que nos indica a terceira viagem. Esta completa-se com uma facilidade ainda maior que as precedentes, tendo desaparecido por completo os obstáculos e ruídos. Somente são ouvidos os acordes de uma música cadenciada e profunda que parece sair do próprio silêncio. Tendo o iniciado dominado e purificado a parte negativa de sua natureza, que é a causa dos ruídos e das dificuldades externas, é natural que estas tenham completamente desaparecido. Agora deve familiarizar-se com a energia positiva do fogo, isto é, com o Potencial Infinito do Espírito que se encontra em si mesmo, cuja mais perfeita manifestação se tornou possível pela precedente purificação.

Esta descida do espírito, que constitui a prova e a purificação pelo fogo, elimina, por meio de uma plena consciência da Verdade, todo resíduo de impureza, todo traço dos erros e ilusões que precedentemente dominaram a alma. Quando a Luz da Verdade aparece em toda sua plenitude, toda treva, todo erro, toda dúvida e imperfeição, automaticamente desaparecem. O iniciado prepara-se e aprende, por intermédio desta terceira viagem, a caminhar no fogo, isto é, no mais profundo e sutil elemento das coisas, do qual todas nascem e no qual se dissolvem, onde cessa por exemplo o poder da ilusão e a Realidade manifestar-se como realmente é.

Tendo realizado nas profundezas de seu próprio ser, este íntimo contato com a essência fundamental que é ao mesmo tempo Verdade, Poder e Virtude, o iniciado anda agora com passo firme e seguro, sem que nada tenha o poder de modificar sua atitude ou fazê-lo desviar-se. Esta serenidade imperturbável, que tem em si mesma sua razão de ser e sua raiz, e na qual a alma descansa para sempre ao abrigo de todas as influências, tempestades e lutas exteriores, permanecendo absolutamente firme em seus esforços e em seus propósitos, torna patente que a prova simbolizada pela terceira viagem foi superada. O iniciado leva agora, aceso dentro de si mesmo, algo que é como uma chama que nunca se apaga: aquele entusiasmo veemente e persistente que brota da própria raiz do ser e é a base de toda a realização exterior. Com esse fogo, cuja essência é Amor infinito, livre de todo desejo, impulso ou motivo pessoal, tem o iniciado o poder de executar em torno dele os milagres e as coisas mais inesperadas, sendo, como Fé Iluminada e sincera, uma Força Ilimitada por ter franqueado e possuir o poder de superar os limites da Ilusão.

 

Guilherme A. Tavares, A.’.M.’.
A.’.R.’.L.’.S.’. Fraternidade e Evolução nº 3198, Or.’. de São Paulo – SP / Brasil