VISÃO TRANSDISCIPLINAR DA MAÇONARIA

O artigo 1º, caput, da Constituição do Grande Oriente do Brasil nos leva a uma série de investigações pessoais, podendo afirmar, na mais moderna doutrina européia vigente, que o texto é transdisciplinar. Antes de analisarmos o conceito de transdisciplinaridade e aplicarmos à Maçonaria, transcreveremos o art. 1º, para que possamos entender o alcance do tema em questão.

“A Maçonaria é uma Instituição essencialmente iniciática, filosófica, filantrópica, progressista e evolucionista. Proclama a prevalência do espírito sobre a matéria. Pugna pelo aperfeiçoamento moral, intelectual e social da humanidade, por meio do cumprimento inflexível do dever, da prática desinteressada da beneficência e da investigação constante da verdade. Seus fins supremos são: LIBERDADE – IGUALDADE – FRATERNIDADE. ” [1]

Diante da assertiva de ser a Maçonaria iniciática, filosófica, filantrópica, progressista e evolucionista e, ainda, por proclamar a prevalência do espírito sobre a matéria, temos um elenco, não excludente, de natureza filosófica. A transdisciplinaridade é um movimento nascido no Século XX, inicialmente por alguns pesquisadores, como Piaget, mas relegado ao esquecimento. Às portas do Século XXI se dá um novo grito de alerta ao tratamento global, ou se preferirem, holística do mundo. O historiador português Jorge de Matos, em sua obra ‘O Pensamento Maçônico de Fernando Pessoa’ [2], ao traçar o perfil psicológico maçônico de um profano tendente a ingressar na Ordem, excertando Antônio Telmo, traduz:

“ É essencial, em primeiro lugar, que o profano seja, de índole e mentalidade, um simbolista, isto é, um indivíduo para quem os símbolos são coisas, vidas, almas, e para quem paralela e conversamente, as coisas e os homens tenham, em certo modo, a vida irreal e analógica dos símbolos. Esta espécie de índole e mentalidade é rara, raríssima; entre os espíritos de formação católico-romana pode dizer-se que é inexistente. ”

Por símbolo, podemos extrair, com tranqüilidade, a definição da Enciclopédia Koogan-Houssais, 1999:

“SÍMBOLO s.m. Objecto físico a que se dá uma significação abstrata: a balança é o símbolo da justiça. / Figura ou imagem que representa alguma coisa: a suástica é o símbolo do nazismo. / Qualquer signo convencional figurativo. / Fig. Sinal, divisa, emblema, marca, indício. / Lógica e Matemática Signo figurativo de uma grandeza, de um número, de um ser lógico ou matemático. / Química Letra ou grupo de letras adotadas para designar a massa atômica de um elemento: “Pb” é o símbolo do chumbo. / Religião Sinal externo de um sacramento. / Resumo das verdades essenciais da religião cristã: o Símbolo dos apóstolos (credo). / Numismática Figura ou sinal representado nas medalhas ou moedas antigas. / Psicologia Idéia consciente que revela ou mascara outra, inconsciente. ”

[topo]

E, mais a seguir:

“ SÍMBOLO s.m. Tudo aquilo que comunica um fato ou uma idéia, ou que representa um objeto. — Alguns símbolos, como bandeiras e sinais de trânsito, são visuais. Outros, entre os quais a música e as palavras faladas, envolvem sons. Os símbolos figuram entre as invenções humanas mais antigas e fundamentais. Quase tudo pode ser um símbolo. As letras do alfabeto, por exemplo, são símbolos dos mais importantes, pois constituem a base de quase todas as comunicações escritas. Os gestos e os sons produzidos pelos seres humanos também simbolizam idéias ou sentimentos. Um símbolo pode ser utilizado isoladamente, ou em combinação com outros símbolos. Emprego dos Símbolos. Os indivíduos, as nações e as organizações valem-se de símbolos todos os dias. Os símbolos desempenham também um grande papel na vida religiosa. Povos de todas as partes do mundo convencionaram aceitar determinados símbolos como elementos de síntese para o registro e a recordação de informações. Cada ramo da ciência, por exemplo, tem o seu próprio sistema de símbolos. Um desses ramos, a astronomia, usa uma coleção de velhos símbolos para identificar o Sol, a Lua, os planetas e as estrelas. Em matemática, as letras gregas e mais outros símbolos formam uma linguagem resumida. Vários símbolos são utilizados em campos como o comércio, a engenharia, a medicina e os transportes. Desde a década de 1930 muitas nações resolveram trabalhar juntas para criar um sistema de sinais de tráfego que pudessem ser reconhecidos universalmente. 

[topo]

Todos os países têm símbolos nacionais oficiais e não oficiais. Uma bandeira, um hino nacional, ou mesmo uma personalidade nacional podem simbolizar uma nação. A maior parte das religiões usa símbolos para representar suas crenças. A cruz simboliza não apenas a morte de Jesus Cristo, como também a crença cristã. A estrela de Davi representa os ensinamentos do judaísmo. As forças armadas de uma nação usam símbolos para identificar seus vários ramos e a posição hierárquica dos indivíduos a seu serviço. Artistas plásticos e escritores usam, por vezes, cores, imagens ou palavras para exprimir simbolicamente suas idéias ou sentimentos. Muitos rituais têm natureza simbólica. Tais atos simbólicos incluem coroações, inaugurações, saudações militares e sacramentos religiosos. Símbolos com Diferentes Significados. Diferentes grupos sociais podem usar os mesmos símbolos, mas estes símbolos podem representar coisas diferentes. Em muitas sociedades, por exemplo, a cor vermelha simboliza guerra e violência. Todavia, essa cor pode apresentar outros significados. Na China, o vermelho representa o casamento. O vermelho simboliza a vida na religião xintoísta do Japão, mas, na França, representa as escolas de direito. Um símbolo tem apenas o significado que os indivíduos lhe outorgam. Mesmo um símbolo poderoso pode perder seu significado, se a sociedade o desonra ou o ignora por um determinado período de tempo. Na história antiga, muitos consideraram a cruz suástica como amuleto de boa sorte. Em 1920, porém, o Partido Nazista da Alemanha adotou-a como seu símbolo. A suástica passou, então, a representar a tentativa nazista de conquistar a Europa. Hoje em dia, é um dos mais odiados símbolos da história. ”

Diante desta primeira análise filosófica acerca do simbolismo, derivada do pensamento maçônico de Fernando Pessoa, pensamento este, aliás, embutido no conceito de “Instituição essencialmente iniciática” e, por esta razão, por um princípio de hermenêutica, com características esotéricas, quando o termo expressa, segundo a Enciclopédia já mencionada, a “qualificação dada, nas escolas dos antigos filósofos, à sua doutrina secreta. / Incompreensível às pessoas não iniciadas: linguagem esotérica”. Os símbolos das sociedades iniciáticas somente são acessíveis e, por sua vez, inteligíveis, aos iniciados. “O símbolo tradicional é vivo, operacional e perpetuamente eficaz. Os “símbolos” psicoanalíticos, matemáticos, surrealistas, revolucionários, etc., operam unicamente de uma forma adaptada a uma determinada situação, e a sua vida tem a mesma duração que as teorias que lhe deram origem ”.[3]

Assim, por exemplo, como excertado da Enciclopédia Koogan-Houusais, um símbolo pode ter mais de uma definição de acordo com o momento em que é usado, valendo lembrar a suástica. A suástica, na realidade, é a denominada cruz temporal, formada por quatro esquadros dos oito raios da roda. A cruz, na realidade, significa “centro indefinido, o espaço físico contém as manifestações corporais dos seres existentes, incluindo os objetos inanimados. ” Diante desta análise, se tem a cruz como verdadeiro símbolo religioso e, desta forma, jamais poderia ser confundido com um movimento fascista, como o caso do nazismo. No entanto, o símbolo deve ser analisado de acordo com o momento em que foi concebido. E neste ponto, para alcançarmos o fim a que se destina este trabalho, encaramos a definição de transdisciplinaridade:

“ A transdisciplinaridade, como prefixo “trans” indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento.”[4]

[topo]

E, sem medo de errar, podemos afirmar que a Maçonaria é uma escola inesgotável de ensinamento, acrescentando, neste momento, as palavras evolucionista e progressista. A filosofia [5], enquanto técnica especulativa e, portanto, sempre em mutação, não pode estar alheia aos movimentos modernos do pensamento humano. A filosofia, assim como a história, não é estática. Acoplamos, assim, aos conceitos elencados no artigo 1º da Constituição do Grande Oriente do Brasil, a sua segunda parte, que afirma deve a Maçonaria pugnar pelo aperfeiçoamento moral, intelectual e social da humanidade. Diante dos termos analisados, assim como a própria essência da Maçonaria, ela é transdisciplinar em sua essência. A busca constante da verdade está, ao mesmo tempo, “ entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina.” Interessante destacar o texto de Claude Saliceti [6]:

“ Le projet humaniste et maçonique à la fois individualiste et universaliste d’acocomplissement personnel et d’acord de tous lês humains sur dês valeurs et dês finalités éthiques communes ne peut, nous l’avons vu, faire sans danger l’impasse sur les notions de vérité et de sens, et sur la possibilite de lês concilier avec celles de liberte et de raison. ”

Em seu texto, continua afirmando a dificuldade de associar e interagir as diversas facções do pensamento humano, o que ocorre, sistematicamente, na Ordem Maçônica, diante da liberdade de expressão. Concluímos, assim, com a trilogia de LIBERDADE – IGUALDADE – FRATERNIDADE. A liberdade encerra um dos princípios da transdisciplinaridade, enquanto a mesma é individualista. A individualidade – distinção muito bem traçada pela transdisciplinaridade – é diversa do egoísmo, que não combina com os princípios máximos da Maçonaria. O egoísta é egocêntrico e, por esta razão, jamais conseguirá viver em uma sociedade onde se prega a igualdade, posto que, ainda que diferentes em pensamentos, todos são iguais em essência e esta é a razão máxima da FRATERNIDADE.

José Carlos de Araújo Almeida Filho
M.’. M.’. – CIM 188725 / A.’.R.’.L.’.S.’. Solidariedade, 3348


[1] Art. 1º da Constituição do Grande Oriente do Brasil – Protocolada e registrada no 2º Cartório de Registro de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas do Distrito Federal – 515 – 30/11/1990.

[2] MATOS, Jorge de – O Pensamento Maçônico de Fernando Pessoa – Hugin Editores – Lisboa – Portugal – 1997

[3] GATTEGNO, David – Símbolos – Hugin Editores – Lisboa – Portugal – 2000

[4] NICOLESCU, Basarab – O Manifesto da Transdisciplinaridade – Hugin Editores – Lisboa – Portugal – 2000

[5] FILOSOFIA s.f. Conjunto de concepções, práticas ou teóricas, acerca do ser, dos seres, do homem e de seu papel no universo. / Atitude reflexiva, crítica ou especulativa, de elaboração de tais concepções. / Conjunto de toda ciência, conhecimento ou saber racional. / Reflexão crítica sobre os fundamentos do conhecimento (valores cognitivos), da lógica, da ética e da estética (valores normativos). / Sistema de princípios que explicam ou sintetizam determinada ordem de conhecimentos: filosofia da história. / Sistema particular de diretrizes para a conduta: adaptar sua filosofia às circunstâncias. / Sistema de um filósofo: a filosofia de Aristóteles. / Conjunto de doutrinas de uma escola, época ou país: a filosofia grega. / Sabedoria de quem suporta com serenidade e firmeza os acidentes da vida: receber um mau golpe com filosofia. ©1999 Enciclopédia Koogan-Houaiss Digital.

[6] SALICETI, Claude – Humanisme, franc-maçonnerie et spiritualité – Politique d’aujuourd’hui – Paris – França – 1997